sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Platônico

De sonhar-te, minh'alma anda perdida
Cegos vivem meus olhos de te ver!
Iludo-me na esperança de te ter,
Pois que tu és minha paixão desmedida.

Não me via assim enlouquecido...
Passo as horas, meu Amor, a ler
As fotografias do teu apaixonante ser
Do mesmo álbum tantas vezes visto!

No mundo tudo é frágil e passa
Falam as vozes com toda a graça
Dum lábio divino sussurrando em mim

E, olhos em ti, de Florbela dou meus passos
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como Deus: Princípio e Fim."

Tibúrcio Valério

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Entre o Querer e o Ser

Eu queria ter uma sala cheia de almofadas para estar com meus amigos.
Eu queria ter uma vida menos ocupada.
Eu queria ter uma vida menos atrapalhada.
Eu queria ter uma casa no interior da floresta atlântica.
Eu queria acordar diante de uma cachoeira todos os dias.
Eu queria tomar banho nela a hora que quisesse.
Eu queria não mais procurar o amor.
Eu queria dormir de conchinha com alguém todos os dias.
Eu queria viver naquela música do Kid Abelha.
Eu queria morar numa cidade rodeada de montanhas verdes pintadas a mão por crianças.
Eu queria poder dizer que a felicidade me consome diariamente.
Eu queria poder dizer que sou feliz, apenas.
Eu queria dar aula num grupo escolar de um interior paupérrimo à crianças cheias de olhares inocentes.
Eu queria escrever uma história que tocasse no coração das pessoas.
Eu queria ter uma frase pronta que fizesse as pessoas desistirem das aparências e serem apenas elas mesmas
Eu queria poder convencer as pessoas que as pequenas coisas são as melhores.
Eu queria ser mais paciente.
Eu queria ser menos ciumento.
Eu queria ser mais extrovertido.
Eu queria ser menos o tipo de pessoas que se magoa e se consome.
Eu queria saber perdoar.
Eu queria ser tipo mais amigo.
Eu queria trocar tudo o que já vivi pelo olhar carinhoso de quem amo.
Eu queria que minha arte o conquistasse.
Eu queria que pessoas como Cazuza e Drummond tivessem tido o tanto do que escreveram, o amor.
Eu queria ter sido a Tarsila do Amaral, o Van Gogh, o Chaplin, o Tom e o Vinícius de Morais.
Eu queria estar escrevendo o que eu desejaria ter um dia.
Eu queria ter ido ao Sítio do Pica-Pau Amarelo
Eu queria ter conhecido a Tia Anastácia.
Eu queria ter ido a Tangamandápio com o Jaiminho.
Eu queria ter um relógio do tempo, para amenizar o sofrimento.
Eu queria ter a cabana do meu tempo de criança.
Eu queria ser um cara que soubesse conquistar.
Eu queria ter a certeza que meus conquistados são felizes.
Eu queria saber cantar.
Eu queria ser um viajante do mundo.
Eu queria acordar com um café da manhã na cama gigante.
Eu queria me lembrar para sempre daquele primeiro sorriso naquele dia.
Eu queria saber do meu futuro amanhã.
Eu queria ter ainda meu carro de bombeiro que meu pai me deu no dia das crianças.
Eu queria, inclusive, ver ele chegando e fingir que estava dormindo só pra sentir ele me beijar o rosto.
Que queria dizer que o amo.
Eu queria poder dizer mais coisas agradáveis.
Eu queria que no Natal todas as famílias pudessem comemorá-lo.
Eu queria um dia poder nadar com golfinhos.
Eu queria lutar e vencer o mal.
Eu queria saber o que é o mal.
Eu queria ser um cara cheio de ideias boas.
Eu queria ser um homem que deixou algo valioso para alguém.
Eu queria poder registrar o momento que a mãe ouve pela primeira vez o coração do seu filho, ainda no ventre, bater.
Eu queria poder mostrar a criança dividindo sua pouca comida com outras, todas famintas.
Eu queria ter o poder de fazer pesar a consciência dos engravatados quando sentam à mesa para comer um almoço mais caro que a maioria do salário de muitos brasileiros e ainda conseguem dormir tranquilamente.
Eu queria ser um cara sem hérnia de disco, sem dor nos rins, sem dores avassaladoras na alma.
Eu queria ser mais amor e menos dor.
Eu penso, às vezes, que queria ser só um pintor.
Eu penso, ainda, que queria ser só mais uma pessoa legal no mundo.
Eu penso que ainda queria ser a criança que vê as coisas do jeito dela.
Eu penso que ainda queria ser o primeiro na fila do teatro, sempre.
Eu penso que ainda queria ser aquele menino que brincava de bolinha de gude em frente a sua casa.
Eu penso que ainda queria ser o adolescente com vontade de mudar o mundo.
Eu penso que é melhor dormir.
Eu penso também que amanhã começo a procurar realizar pelo menos algo de tudo que escrevi, o que você acha?


Tibúrcio Valério

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Trova

Um dia a Lua me olhou
E sorriu
Eu escrevia canções de mal dizer
Mal dizia a mim
Fiz meu escárnio
Me satirizei,
Talvez, até satanizei
E a Lua ainda só(ria)
Eu não... eu chorava


Tibúrcio Valério

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Ama

Ama-me em devaneio, com insensatez.
Entrega-te sem receio, por completo,
de uma só vez.

Ama-me com desejo fugaz.
Rasgando-me a roupa, mordendo-me o pescoço,
insana, feito um animal foras.

Engole-me vivo cavalgando nos campos.
E das flores que traz consigo,
perfuma-me o pranto.

Ama-me nua, despudorada e por inteiro,
sem roupa,
desmetaforizada, feito prostituta do Rio do Janeiro.

Ama-me até quando não puder.
Com simplicidade e poesia,
sobre à mesa tomando um gole de café.

Mas se não puder me amar na velhice,
escreva-me versos de amor, sem dor,
dizendo-me do amor que tive.

Fala-me daquela puta insana
Que das noites escuras da Lapa surgiu

Olhou-me nos olhos e disse: Me ama!

Tibúrcio Valério

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Soneto III

Vagando entre as cinzas plumas da rua
Crio comigo laços de desassossego
Perdido no vazio do meu próprio medo
Grito desamores a Minh ‘alma nua

Perdido sem os braços do seu aconchego
Procurei entre tantas a pele sua
Como cão faminto por carne crua
Mas só encontrei indonzelas no gueto

Quão dolorido é viver da saudade densa
Dela, marcante no palco
Arte pura, com luz escarlate intensa

Das outrora felizes no teatro
Busco-a por vezes em outras cenas
E só enxergo minha sombra no asfalto

Tibúrcio Valério 

sábado, 16 de agosto de 2014

Desde ontem, eu me lembro.


Desde ontem meu coração bate acelerado, angustiado, sentindo-se solitário. Desde ontem meu corpo anda saudoso. Nostalgicamente aberto por lembranças boas de um sentimento tão simples, mas sem explicação.

Desde ontem olho meu telefone e procuro nos contatos o número desejado, embora já saiba de cor a combinação certa para ouvir a voz esperada pelos meus ouvidos. Desde ontem eu espero, talvez, uma ligação pelo mesmo motivo de me fazer procurar nos contatos o número desejado mesmo eu já sabendo de cor. Mas ontem, e hoje, esperei essa ligação. Ainda espero, na verdade. Nem que seja pra ouvir um, boa noite e um, estou com saudades.
Desde ontem meu coração se aperta e se contrai quando me vem à lembrança dele. Aquele sorriso na hora do jantar enquanto mastigava a comida, uma torrada com pão de forma integral – eu nunca disse, mas detestava pão integral – entretanto, o sorriso me fazia engolir maravilhado, sentindo-me feliz. E ontem ao lembrar isso, sorri enquanto minha alma chorava.
Desde ontem, e de anteontem, eu lembro como te olhava caminhar a minha frente, fazia de propósito só para ver seus pés para fora, e sua postura ereta, sempre de cabeça erguida. Eu nunca te disse, mas era lindo ver.
Desde ontem, e de ante anteontem, eu me lembro daquele risoto de camarão que você deixou no prato, dentro da geladeira, com uma plaquinha “Eu te amo” e foi o melhor risoto gelado do mundo. Eu nunca te disse, mas eu passei alguns minutos olhando pra ele todo agraciado e com pena de comê-lo.
Desde ontem, e de quarta-feira passada, eu me lembro do estouro do refrigerante na cozinha, e você caindo no chão um segundo depois do tiro. Nós rimos por horas. Eu nunca te disse, mas ali eu estava verdadeiramente feliz e pleno.
Desde ontem, e do dia da lua gigante, eu me lembro da gente na praia. Da nossa conclusão sobre o tronco de árvore, em brasas, que aparecia ao horizonte até revelar-se uma bela lua. Eu nunca te disse, mas aquela foi a lua mais linda que eu vi.
Desde ontem, e do primeiro dia do mês de agosto, eu me lembro de todas as vezes que o vi no palco. Desde a primeira, no dia do meu aniversário até a última no último final de semana de fevereiro. Eu nunca te disse, mas vê-lo no palco era sentir-me realizado e completo.
Desde ontem, e do mês passado, eu me lembro das vezes que vi você pintar seu rosto para entrar em cena. Dos traços, da textura, da cor vermelha. Eu nunca te disse, mas era lindo e eu sempre quis pintar meu rosto igual ao seu.
Desde ontem, e do mês de abril, eu me lembro das horas infinitas deitados na cama rindo das bobagens, das cócegas, dos trava-línguas e do quanto era bom ser bobo e leve. Eu nunca te disse, mas faço isso com meus alunos para poderem entrar na sala e eles nunca conseguem.
Desde ontem, e todo o tempo necessário que for, eu me lembro de você com sua camisa amarela e branca, gola v, com um tubarão e uma prancha de surfe desenhadas nas costas, o cabelo grande caindo sobre a testa, encostado no carro, numa esquina, com as mãos nos bolsos me esperando para o nosso primeiro encontro, primeiro olhar, primeiro beijo, primeiro sorriso, primeira certeza de sermos os certos um para o outro. Eu nunca te disse, mas naquele dia, enquanto caminhava até você tudo parecia lento. Meu coração estava mais acelerado que o de costume.
Desde ontem, desde hoje, desde agora escrevendo isso, eu me lembro de não querer lembrar nada. Eu me lembro de não querer olhá-lo. Eu me lembro do quão dolorido foi desprender de você e quão dolorida é a saudade. Eu me lembro até de como teria sido o tempo separado se nós estivéssemos juntos.
Desde ontem, hoje, amanhã, eu gostaria de lembrar sem essa dor que machuca, me entristece. É difícil caminhar só, sem ter a poesia de sua mão sobre a minha, mas como todo processo de amadurecimento requer a solidão, eu quero dizer e preciso dizer, comecei a engatinhar, ainda caio com o rosto no chão e sangra, porém logo o susto passa e volto a teimar, ou melhor, amadurecer.
Eu nunca te disse, mas todo o meu amor eu guardei para você.
Tibúrcio Valério