quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Celular Touch

Disse que trabalhava de sol a sol para juntar o máximo de dinheiro possível e comprar um celular touch screen. O seu velho Nokia Lanterninha já estava cansado dos anos de trabalho, embora funcionasse como um novo. Não sabia nem pronunciar touch screen, entretanto queria porque queria um “toti isquim”. Trabalhou toda a sua vida como doméstica e todos os finais de semanas ia para o pagode extravasar sua alegria de viver. Era muito conhecida na comunidade e adorada por todos. Chegaram até a lhes oferecer um celular touch, mas paraguaio, o que foi motivo suficiente de bate boca. Era pobre, porém só usava o que era bom. Apesar de muitas vezes ter usado coisa falsificada que jurava de pé junto ser de marca. Pobre coitada enganada pelas sacoleiras vizinhas!
Durante muito tempo deixou de ir ao pagode no intuito de poupar seu dinheiro para no final do ano ir até às Casas Bahia adquirir seu tão sonhado celular “toti isquim”. Queria o mais caro. O mais moderno. O que tivesse mais funções, tipo aqueles que só não servem café porque ainda não foram robotizados o suficiente. Ela achava chique chegar num restaurante e tirar foto da comida para postar no Facebook e no Instagram, coisas que, aliás, ela ainda não possuía.
Cortou de suas despesas tudo que julgou fútil. Pagode; churrasquinho do seu Leôncio na esquina das Drogarias Globo; idas à praia duas vezes por mês e, também, táxi para motel com Robiney. Resolveu que juntaria cada centavo. Inclusive investiu em dindins para ajudar nas despesas. Fez de todos os sabores, leite com toddy, bolacha, coco, coco queimado, manga, maracujá com leite, goiaba, e o cargo chefe de sua empreitada, o dindim de caipirinha, o mais procurado pela vizinhança. Nos finais de semana não conseguia sequer assistir ao Esquenta com os vizinhos gritando seu nome querendo seus dindins.
Os meses foram passando e num estalar de dedos chegou Dezembro e com ele os piscas-piscas, árvores de Natal, festões de todas as cores, papai Noel que dança, um outro que faz malabares, entre tantos deles fazendo várias outras coisas que fujam do convencional com suas renas e “ho-ho-ho”.
Era sete da manhã quando, bem cedo, o relógio do seu “lanterninha” despertou pela última vez porque o próximo despertador seria do novo celular. Às oito horas já estava no ponto esperando o ônibus para ir ao centro comprar seu tão aguardado “toti isquim”. Esperou cerca de quinze minutos que lhe pareceu uma eternidade. Estava se desconhecendo pois nunca fora ansiosa. Por fim, às nove e meia descia no ponto que ficava em frente às Casas Bahia. Estava eufórica, mas tentou disfarçar. Tropeçou na entrada de tão nervosa. Por sorte ninguém viu. Apenas as câmeras de segurança. Foi ao balcão e uma moça sorridente a atendeu. Queria o celular mais caro da loja. A moça mostrou-lhe as opções, mas o que fosse mais caro era o perfeito para ela. Um mil e trezentos reais foi o preço. Um ano de garantia. Tinha até quarenta e duas horas para trocar o aparelho na loja caso desse algum problema. Compra feita. Pagamento à vista. Dez por cento de desconto. Cliente satisfeita.
Chegara à casa realizada e tratou logo de começar a usufruir de seu mais novo brinquedo. O lanterninha, coitado, já havia esquecido na gaveta da cômoda. Aos poucos foi mexendo e aprendendo tudo sobre seu novo celular touch. Tirou várias selfies em frente ao espelho. Fez biquinho para as fotos. Fez cara de modelo anoréxica com cada de nada. Fez foto da metade do rosto. Fotografou-se com roupa de academia – ela nunca malhou. Ensaiou como seria no restaurante fotografando a comida. Já tinha um arsenal de fotos para postar no seu Instagram e Facebook recém-criados.
Agora podia ir ao pagode se mostrar para todos. Queria que vissem seu mais novo brinquedinho. Estava, inclusive, se achando mais bonita. E assim o fez. Foi ao pagode. Fotografou a cerveja gelada. Usou legenda na foto. Aprendeu até a usar hastag. Tirou mais fotos fazendo biquinho com as amigas. Começou a seguir no Instagram o pagodeiro da noite. Curtiu várias fotos e suas fotos também foram curtidas. Compartilhou vídeos no Facebook. Sentia-se rainha apenas pelo fato de ter um celular que somente patricinhas podiam possuir.
Mas na semana seguinte o celular que tinha sido o mais caro da loja começou a apresentar defeitos. Como podia acontecer tal barbaridade? Ele era novo! Apenas uma semana de uso. Estava travando e muito lento. Uns disseram ser normal. Mas não era normal para um celular com apenas uma semana de uso. Resolveu ir até a loja reclamar. “Senhora, não nos responsabilizamos mais sobre seu produto, o prazo que lhe demos já venceu. Aconselho-te a procurar uma loja autorizada para rever esse problema, mas acredito que dirão o mesmo que nós lhe dissemos, ele deve estar muito carregado com arquivos ou pode ser aplicativos pesados.” Saiu injuriada das Casas Bahia. Ao relatar o ocorrido a sua patroa, fora aconselhada a ir à loja com o código de defesa do consumidor mostrando a lei a seu favor. E assim o fez. Chegou à loja com a lei grifada e exigiu a troca do produto. Não fora atendida. Chamou o gerente, o mesmo a ignorou. Fez barraco na loja e fora convidada a se retirar do estabelecimento pelo segurança. Recusou-se. Foi expulsa. No meio da rua movimentada fez mais outro barraco que só serviu para chamar a atenção. Lembrou-se de ir ao PROCON, mas antes precisava fotografar a loja e postar no Facebook sua indignação. Foi até o meio da rua para pegar o melhor ângulo da foto – agora estava craque nesse negócio de ângulo – e antes de dar o clique alguém gritou a palavra ônibus. Não teve tempo de olhar. Foi atingida pelo ônibus que fazia a linha centro/zona norte. O celular foi arremessado muitos metros de distância e levado por um moleque de rua. Ela não resistira.

Tibúrcio Valério

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Parque de Diversões

A vaidade feriu a mudança e ninguém se modificou. Mudar é sempre visto como ceder ao capricho do outro, lamentavelmente. Em geral amamos bastante para morrer, mas para transformarmos, não!
Depois da despedida não houve telefonema, não houve mensagem inbox, sequer cogitou-se uma carta escrita à mão, embora uma vontade de reconciliação magoasse meu orgulho. Aliás, esse se tornou uma espécie de regente de meus devaneios. Me repreende, protege, me bate, responde por mim. Sabe que se a palavra fosse minha diria que preciso de você para caminhar.
Apesar da indiferença – falsa, diga-se de passagem – sinto completamente o mesmo sentimento de tempos atrás, talvez mais forte que nunca, embora não consiga expressar. O coração entra em frenesi, o canto esquerdo da boca treme incontrolavelmente, meu corpo não obedece aos comandos do cérebro.
Pela primeira vez me sinto “ex” de alguém e é estranho. De repente sou o ex-namorado. O ex-amante. Deixei de ser o homem mais importante para tornar-me um estranho, uma ilusão. É imensamente tirano. Chega-se ao fim um amor nos moldes da poesia Drummoniana, sem poder reabilitar-me, sem sequer me cuidar.
Não construímos nossa prole, não compramos nossa casa e nosso cachorro não veio. Nada precisou ser dividido. Nosso amor transformou-se num parque de diversões de interior, monta e desmonta por praças diferentes.
Eu não quero ir mais uma vez na montanha-russa, preciso parar no topo da roda-gigante, o vento balançar a cadeira e uma mão segurar a minha me tirando o pavor de cair.

Tibúrcio Valério