sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Política dos vizinhos hipócritas


Política dos vizinhos hipócritas

Hoje em uma das conversas com minha mãe ao telefone, perguntei sobre a pós-política de Jardim do Seridó, como andava os ânimos dos seus vizinhos. Em especial sobre uma e seu comportamento durante as eleições – muda completamente a forma como se dirigir a minha família – talvez não a mim porque sabe da minha posição perante a qualquer partido, até porque política não me convém. Mas quando fiz a pergunta sobre como estava a relação entre ambas fiquei triste e ao mesmo tempo furioso pelas palavras da minha mãe. De todos os pecados capitais, a inveja é o pior. Infelizmente, em nossa família – a do meu pai – houve um tempo que existia uma inveja personificada, da qual nunca se deu bem com a maioria dos familiares, quiçá todos. Constantemente era motivo de discórdia. Até mesmo por querer viver a vida dos outros. E essa inveja personificada sempre teve certa implicância com a minha mãe, não sei se era inveja porque todos da família gostam dela ou se por algum motivo desconhecido por nós. Hoje graças a Deus esse “pecado capital” não faz mais parte da família, só existe a ligação por ter sido casada com um tio e como fruto desse casamento trouxeram ao mundo dois seres humanos, embora também nunca tive muito contato todo com eles. Mas como o foco aqui é falar de inveja, as palavras da minha mãe me doeram e me corroeram por dentro quando ela me disse da indiferença de sua “amiga”, e que a inveja personificada convivia por lá, ‘mas é assim, ela sempre teve inveja de nossa amizade, agora conseguiu pra ela’, completou.
O que mais me chateia nisso, é saber que tudo começou por causa de política. Mãe vota no candidato da oposição. Logo, ela e outros vizinhos, são uma espécie de nova raça para essas pessoas de mente pequena. Hipócrita seria a palavra mais correta, e como eles não sabem o significado, no dicionário Houaiss, pessoas hipócritas são pessoas de sentimentos fingidos, são dissimulados, FALSOS. Hipócritas porque passam pelo menos três anos antes das eleições sem olharem um pra cara do outro – quando não, até falando mal – e com a chegada do período eleitoral unem-se e tornam-se melhores amigos apenas por um partido que pouco se importa quem pouco se importa com seus eleitores, apenas o que convém a eles, ou seja, um voto. Digo isso, tanto pra um partido quanto pra outro. Política é o melhor exemplo de hipocrisia. Sei que um dos focos principais é colocar o nome de mãe numa roda de conversa para falarem mal dela. E me entristece saber dos tantos anos de amizades serem jogados fora por isso: um prato de política sebosa, suja, a qual estão se lambuzando. Então, já que minha mãe não tem coragem de dar a opinião dela pra isso tudo, eu tomo suas dores e dou a minha. Bando de hipócritas, falsos, estúpidos, sujos vocês se merecem. Falem mal dela, desejem até o mal – que não duvido não o terem feito – mas saibam do retorno a famosa lei da ação/reação. Exemplo disso: a inveja personificada, amiga de vocês, não é feliz, nem nunca soube o significado de felicidade. Ela não tem amor ao próximo, ela ama os bens materiais. Ama o dinheiro da pensão. Depende dos outros porque nem coragem pra trabalhar tem. É manipuladora – a sua cria que o diga. É pobre de espírito, nunca teve Deus no coração. Querem saber de mais uma opinião? Lamento vocês colocarem em primeiro plano uma cor de partido que só aparece a cada quatro anos enquanto uma amizade é eterna.
Quanto a minha mãe, sei que não importa a vocês... mas a mim sim, tomo, tomei e sempre tomarei as dores dela. Por mais que silencie e depois finja de nada ter acontecido, eu sempre lembrarei. Vai ficar aqui guardado na memória. Por mim, ela responderia da mesma moeda, não se juntando pra falar mal dos outros, mas sim sendo indiferente a vocês, pessoas estupidas, sujas, falsas, hipócritas.
E quanto ao candidato de vocês, é sempre necessário fingir que gosta de gente assim, mas isso é só até passar a política. Depois ele limpa-se com álcool pra não infectar.


Tibúrcio Valério

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Vaidade


Quando fiquei diante do espelho foi que percebi o quão cruel o tempo é. Riscos desenham outro rosto. As marcas parecem não ter pena. Logo eu, que fui tão belo com meus vinte e poucos anos. Diante de minha imagem refletida vi traços cortantes que sangram por dentro de mim. Hemorragias transformam-se em meus passados e escorrem de minha boca sujando o chão com tantos eus de outrora. Como fui. Com quem fui. Por onde andei. O que fiz.
Minhas mãos! Veias azuis pulsam revelando-se grossas e tão frágeis. Minha pele não é mais a mesma. É flácida, áspera, com cicatrizes das guerras pessoais e psicológicas travadas por mim quando busquei saber quem sou, o que sou, para onde vou.
Lamento pela visão que causo ao outro. Logo eu, que sempre fui tão belo com meus vinte e poucos anos...

Tinho Valério

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Quando quis

Quando quis ser poeta
As inspirações não vieram
As palavras não existiam

Meu eu-lírico subornou minhas ideias
Ações
Pensamentos

Quando quis ser poeta
Ilusões sucumbiram meu ser
Vivi de utopias

Tinho Valério

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Duas



Ao ferir meu peito em carne viva
Foi que me dei conta do quão doces foram seus olhos.

Ao sangrar meu coração
Foi que percebi sua presença nos momentos difíceis.

Ao chorar lágrimas de sangue
Foi que senti falta de sua mão sobre meus cabelos.

Ao descobrir a verdade
Foi quando quis ouvir de seus lábios "Vai ficar tudo bem!"

Ao conhecer a outra
Foi quando deixei de te perceber

Ao enxergar ela
Você já tinha partido.

Tinho Valério

sábado, 7 de julho de 2012

Um conto


“Disse que foram almas dos marinheiros que morreram nos naufrágios no mar. Eu particularmente não acredito... acho que eram tão belos que poderiam ser até uns deuses!”
Por muito tempo ouviu-se naquela comunidade ribeirinha a história de dois homens misteriosos que apareceram pela praia numa madrugada de lua cheia. Ninguém soube dizer de onde vieram ou para onde foram. Uns dizem ser histórias de pescador, outros dizem ser a mais pura verdade. Enfim, o que importa é que foi um acontecimento que mexeu e mexe com muita gente até os dias de hoje.
Era meia noite e vinte e cinco minutos quando brindaram com o vinho que tomavam naquela noite. A Lua parecia ter caprichado no seu brilho. Radiante, ela refletia sua cor prata nas águas do mar, que calmo e sereno começava a encher. A brisa soava como uma música angelical que hipnotizaria até o mais bruto dos seres. Ali estavam eles, dois homens simples, fugidos da maldade, da intolerância, das agressões. Ali, poderiam ser eles mesmos. Ali poderiam se amar, trocar carinhos e olhares sem medo de qualquer punição. Brindaram ao amor, ao clichê dos sentimentos lindos despertados naquela relação. A brisa, agora entoava uma canção forte, ludibriante, envolvente e linda. E aos goles do delicioso vinho e ao som da quebra estridente dos amendoins em suas bocas explodiram num amor puro como se fosse a primeira vez. Amaram-se. Seus corpos moviam-se no ato como as folhas balançavam ao sopro do vento ou como o curvar das ondas na hora de sua quebra. Era lindo. E o vento, as ondas, as folhas, o tempo, tudo lentamente se movia, parecia até querer estacionar ali enquanto ambos se olhavam. Agora um pertencia ao outro. Formaram um corpo só. Fizeram juras eternas. Foram eles mesmos se amando.
Passava pouco mais de uma da manhã quando os pescadores disseram dar por conta de dois homens nus deitados na areia da praia. Pareciam dormir, mas estavam acordados, e só alguns minutos depois deram conta da presença daqueles caiçaras próximos a eles. Sentaram-se e observaram enquanto os pescadores passavam suas redes de arrasto. A maré já havia aumentado e estava bem próximo a eles. Assustados, os pescadores continuaram seu trabalho sem procurar interver. Segundos após ouviu-se um barulho na água...


“...de certo foram os deuses que mergulharam. Os pescadores não os viram. Até hoje não sabem dizer como eles desapareceram tão rapidamente. Eu costumo acreditar que mergulharam sim, e mergulharam de mãos dadas, segurando firmemente. Dizem ouvir até hoje um gritando que amava o outro. Muitos acham ser mentira, mas eu acho que é verdade. Ah, é sim verdade. Eu acredito no amor eterno...”

Tinho Valério

domingo, 24 de junho de 2012

Um Eu Te Amo




É hoje que te amo
Amanhã... Amarei sem engano.
Todos os dias sou seu abraço de toda hora
Seu abraço à quilometros também
Um beijo interminável
E te amo sem demora
Pra sempre meu amor!
Com poesia boba
Ou flores e honestidade
De verdade, por toda eternidade...
Pela vida toda!

Mas o que é a vida senão se apaixonar
Dar as mãos e voar
Sonhar sem acordar
Uma vida inteira de alegria
Andar pela mesma estrada
Dizer sim...
Transar na madrugada
Te olhar
Te sentir
Te ter pra mim
Esquecer do fim!



Dudu Galvão

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A história de dois anjos


A história de dois anjos


As horas insistiam em passar vagarosamente como os passos do jabuti. Ele insistentemente caminhava de um lado a outro dentro daquele quarto sujo. Há muito tempo que deixou de se importar com a limpeza do seu lugar de descanso. Hoje é apenas mais um espaço que deita para dormir as poucas horas que consegue. Os pensamentos maus ocupam o espaço do sono na mente, mesmo com as drogas que agora consumia, nem o “pós-efeito” fazia-o desabar e dormir por horas ou até mesmo dias. Não se conformava com a sorte. Não acreditava mais em Deus. Quebrou todas as imagens sacras que sua mãe guardava com tanto zelo. Não admitia vê-la orando junto àquelas imagens que um dia ele pôs fé. Deus me abandonou e agora quem não quer mais saber dele sou eu, pensava. Saiu em direção à rua. Estava transtornado e nem percebeu a mãe na sala que quando o viu começou a tremer de medo daquele que abrigou por nove meses em seu ventre, o bebê a quem chamou de Miguel, o anjo que pensou por uns instantes pôr no mundo. Anos depois viu estar errada quando recebeu do próprio sangue uma tapa no rosto de uma série que viriam depois, tudo por falta de dinheiro para gastar com drogas.
Seus olhos queimavam. O ódio era visível no rosto. Qualquer pessoa que o encontrasse notaria a pele que revestia a face tremer. Uma veia no rosto parecia querer expelir sangue de tão visível que estava. Por um momento pensou ouvir vozes. Pessoas ao seu redor o mandavam ir. Assustou-se com os sussurros em seu ouvido e caiu sobre o lixo. Ouviu risos, mas não havia ninguém por perto e isso o deixava enfurecido. Precisava se drogar, mas não tinha dinheiro. Então iria roubar, e se fosse preciso matar, não hesitaria. Foi de caminho às ruas. Tropeços, algumas quedas, mãos nas paredes e as vozes não saiam de perto do anjo de asas depenadas.

Ele corria de um lado a outro do quarto para atrasar-se pro seu encontro com Ângela. Corre filho, gritava a mãe da sala. Olhou-se novamente no espelho, ajeitou o cabelo e saiu. Vai com Deus meu filho, disse Dona Maria. Ele beijou-a na testa e saiu em direção ao carro. Colocou o CD da Vanessa da Mata que havia ganhado da namorada, ligou o veículo e foi ao encontro dela.
Dona Maria observou o filho partir como fazia todas as noites quando ele saia para a faculdade. Hoje era diferente porque seu anjo, como ela sempre dizia, saia para pedir sua namorada em casamento. Horas antes havia ido com ele comprar um anel de noivado, um dos mais lindos que já vira. Era de ouro com um diamante. Foi a joia mais cara da loja, como também, a mais bonita. Rafael estava feliz neste dia, seus olhos brilhavam como o diamante do anel. Ela sabia o quanto o filho seria feliz no casamento porque sua futura esposa era a mulher certa para ele. O carro desapareceu ao horizonte e Dona Maria entrou com a tranquilidade de sempre. Passou em frente à foto do seu falecido marido e disse ter a certeza que ‘nosso filho será feliz’.

Ângela enfeitava-se em frente ao espelho. Havia caprichado na maquiagem, queria ficar linda para o jantar especial prometido por Rafael. Comprara um perfume novo e sabia que seu namorado aprovaria. Era de um cheiro suave e doce, beirando o aroma da amora com um toque do jasmim silvestre. Seu vestido era lilás, com um toque de sensualidade deixando o corpo bem marcado. Abriu a gaveta da mesinha para pegar seu brinco de brilhante e se deparou com uma fotografia da primeira viagem juntos. Os dois de rostos colados numa praia em Fernando de Noronha. Aquela viagem fora muito especial. Sabia ter encontrado o homem de sua vida e estava certa que passaria o resto dela ao seu lado. Foi numa praia quase deserta de Fernando de Noronha que se entregou por completo a seu amor. Foi ali que deixou de ser uma menina para se tornar uma mulher. Viveram momentos lindos naquela ilha mágica. A natureza parecia uni-los cada vez mais. Fizeram juras eternas. Amaram-se e entregaram-se um ao outro. Suspirou e saiu de seus bons pensamentos para voltar à realidade e terminar de se aprontar para o jantar.

Rafael ia ouvindo “Case-se Comigo” e pensando nos bons momentos que viveu junto a sua namorada e no que iriam viver. Ele queria três filhos. Ela apenas um. Ele queria dois meninos e uma menina. Ela apenas uma menina, a quem chamaria de Angélica.

Miguel se dirigia ao sinal. Queria esperar o momento certo para abordar alguém. Retirou do bolço uma arma velha roubada de um traficante morto num tiroteio que ele participara entre policiais e seus companheiros. Restava apenas uma bala que ele só usaria se necessário. Um carro ao longe se aproximava. Miguel escondeu-se por traz do poste que estava com a luz queimada.

Dona Maria sentiu um mal estar. Sentou-se para não cair. Veio à mente Rafael. A mãe de Miguel ouviu um tiro. Ela gritou. Dona Maria sentiu uma dor, soltou o terço que estava nas mãos e foi ao chão. Ângela passava o perfume e o vidro caiu. O perfume derramava pelo quarto exalando um cheiro forte, não mais doce.

[Alguns segundos antes...]
O sinal ficou vermelho. Rafael freou bruscamente, pois havia se distraído com pensamentos em Ângela. Droga, disse ele assustado. Observava a rua e pensava consigo o quanto aquele lugar havia se tornado feio e sujo com o passar dos anos. Foi quando virou para a janela do carro e se deparou com um rapaz sujo apontando uma arma para a sua cabeça. Passa o dinheiro, gritava o rapaz. Desorientado e assustado com a situação, Rafael tentava acalmar aquela criatura transtornada. Tudo em vão, os gritos aumentam. Dinheiro! Passa o dinheiro, insistia Miguel. Por muitas vezes, o namorado de Ângela pensou em acelerar e sair em disparada, mas sabia que corria o risco de ser morto. Tremendo e em desequilíbrio pela situação Rafael pegou a carteira e o único dinheiro que havia nela era apenas vinte reais. Não costumava andar com dinheiro na carteira, porque já fora assaltado outras vezes. Usava apenas cartões de crédito. Eu não tenho dinheiro aqui, falou o ele amedrontado. Furioso, Miguel deu uma tapa no rosto do rapaz. Na tentativa de resolver logo aquela situação, o filho de Dona Maria entrega ao bandido o seu relógio de ouro que ganhara de herança do pai, seu celular, os vinte reais e mais o anel que tinha comprado para sua namorada. Queria resolver logo aquilo e sair livre daquele transtorno. Com todos os pertences em mãos, Miguel tira um saco do bolso e os coloca lá, mas o anel de Ângela cai e quando se abaixa para apanhá-lo Rafael acelera e sai em disparada. Tomado pelo susto do barulho dos pneus Miguel levanta e com ódio nos olhos não pensa duas vezes e atira. A bala acerta a cabeça de Rafael que perde o controle do carro fazendo-o capotar por várias vezes. Miguel foge sem se arrepender do que acabara de fazer. Há metros de distância do assassino parava um carro amassado, sujo de sangue e um corpo com os últimos suspiros de vida.

[Enquanto o carro capotava]
Rafael quis gritar, mas não tinha força pra isso. Assim como o carro girava na pista, seus pensamentos giravam junto com suas lembranças. Pensou na morte, sentia ela do seu lado. Pensou em sua mãe, tinha a certeza que ela estava sentindo algo ruim naquele momento. Sabia disso porque da outra vez que quase morreu afogado num rio enquanto nadava com amigos, ela havia chegado desesperada procurando por ele e quando viu o filho morrendo afogado, mesmo sem saber nadar se jogou àquela correnteza para salvá-lo. Os dois quase morreram fosse o pescador que jogou a boia para ajudá-los. Desde então sabia que sua ligação com Dona Maria era mais forte que qualquer coisa. E outro giro. Agora veio a imagem de Ângela correndo para ele na praia. Muitas imagens boas deles juntos apareceram em sua mente. Os beijos em Fernando de Noronha, a primeira vez de ambos, o primeiro beijo, os momentos de carinho mutuo. Outras lembranças boas apareciam enquanto tudo rodava. Lembrou-se do baile de formatura e de como estava feliz ao lado dos os amigos naquela noite. Do rosto da sua mãe toda orgulhosa em dizer às amigas que seu filho agora era formado. Era, enfim, engenheiro. Um impacto brusco o atinge. Seus pensamentos se dispersam no ar. Ele agora já não sabe que habita um lugar no mundo.

O telefone toca. Dona Maria atende sabendo que algo ruim aconteceu. É a senhora Maria Isabel Bittencourt? Perguntou uma moça de voz serena. Desesperada e transtornada a mulher pergunta o que aconteceu ao seu anjo. A moça começa falando que o seu filho havia sido baleado e sofrido um acidente. Sem esperar o fim da notícia Dona Maria larga o telefone e sai desesperada pela rua em busca do seu anjo machucado.
Quando chega ao hospital depois de ter passado por vários outros porque devido ao impacto da notícia, não esperou que a moça desse o endereço do hospital, Dona Maria saiu pela rua a procura de um táxi e vai de hospital em hospital até encontrar o que o filho estava. Entra descontrolada gritando que queria ver seu filho e é barrada pelos seguranças. Rapidamente aparecem outros médicos para tentar acalmá-la.

A mãe do Miguel sabia que o filho fora responsável pelo acidente que havia acontecido perto. Na rua já se comentava o ocorrido. O barulho do tiro não saia de sua mente. Seu filho desaparecera. Não conseguia concentrar-se para orar. Em quem ele tinha atirado? Sabia que tinha sido por dinheiro para comprar droga, mas porque ir além do mal? Um turbilhão de lembranças veio à tona. Mas ela não conseguia lembrar quando o filho começara a destruir sua vida com drogas. Olhou a fotografia de Miguel quando criança e lembrou o quanto era indefeso. De como foi uma criança educada, que gostava de estudar. Mas veio a separação. A perda do pai que era um herói na visão dele. Aos poucos foi tomando choques de realidade. Parou de fantasiar. Começou a mentir na escola. Começou a crescer num mundo de mentiras. Aos poucos se tornou agressivo. Seco. Frio. Porém, quando a droga aparecera sua mãe não conseguia lembrar.

Agora, diante do filho, Dona Maria chorava incontrolavelmente. A bala havia atingido o cérebro. Rafael só sobrevivia por ajuda de aparelhos. O cérebro já não comandava nada e teriam que desligar os aparelhos. Ela que um dia dera vida a seu tão esperado anjo, teria agora a decisão mais difícil da vida, ordenar a hora do desligamento dos aparelhos.

Miguel desapareceu pelos becos da favela, e sua mãe nunca mais ouviu falar dele. Vive sozinha, angustiada pela casa. Passa horas em frente às novas imagens de santos orando para que ele volte. Dizem que foi visto pela última vez, em pontos de prostituição. Outros falam que ficou louco, se embrenhou na mata e desapareceu. Só que ninguém sabe, é que Miguel naquela noite caminhou pelos becos da favela procurando por drogas até que encontrou uma boca de fumo e por lá ficou. Virou cliente e gastou tudo o que tinha roubado do Rafael e outros. Começara a fazer dívidas com os traficantes da favela. Quando não tinha mais como pagar, tentou fugir, mas foi aprisionado. Depois o levaram para um alto do morro, colocaram-no dentro de pneus e atearam fogo. Sem dó, os traficantes sorriam com aos gritos que Miguel lançava ao tempo enquanto era sucumbido pelas chamas que corroíam as borrachas e se misturavam a sua pele, derretendo, transformando-os em uma só coisa.

Ângela vive em uma profunda depressão. Até hoje não conseguiu se recuperar da perda do seu amado. Todos os dias vai ao cemitério visitar o túmulo com os restos mortais de Rafael.
E ao contrário do que o caro leitor pensa, Rafael não morreu. Ele vive. Vive dentro da Melissa, que recebeu seu coração e pode enfim, realizar seu sonho que era patinar no gelo. Está nos olhos do Lucas que graças as suas córneas, o garoto de seis anos pode ver pela primeira vez a luz do dia e finalmente, ir conhecer o mar. Rafael vive em Marcelo e Raquel, porque cada um ganhou um rim e puseram fim àquelas sessões de hemodiálise intermináveis em suas vidas e voltaram a sentir o sabor da água. Mesmo depois de sua morte cerebral, Rafael pode viver em cada um deles. Dona Maria doou os órgãos do seu anjo para salvar vidas, mesmo que não tenha conseguido salvar a sua.

Tinho Valério

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vozes


As vozes a me chamar vinham do infinito azul
Sem cessar, vinham em sopros
Ondulantes
Penetrantes em mim
Impregnadas à pele
Como tatuagem

Soavam feito notas musicais suaves, seus chamados
Que me encantava
Hipnotizava
Fazia-me flutuar

O mar sem-fim
Cantando com voz de sereia
Hora azul, hora verde
Quente a meus pés
Frio e gélido ao mergulho
Apenas uma vez
Pra não mais voltar

Tinho Valério

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Conjugação


Chegou sorrateiramente
Tranquilo como a brisa
Hipnotizante como o perfume das flores
Lindo como a aurora boreal
Suave como a relva da manhã

Tocou-me a face
Beijou-me a boca
Aqueceu-me o coração

Permaneceu bem diante
Impregnando-me os poros da pele,
por inteiro, com seu cheiro.
De um olhar profundo fez-me outro
Mudou o percurso de uma história por inteiro

Ensinou-me a conjugar o verbo AMAR
Agora eu amo
Tu amas
Ele ama
Nós nos amamos

Tinho Valério



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Tão

Tão cheio de cor
Tão amor
Tão de tantas outras personagens
Tão do mundo
Tão somente ele
Tão clown

Tão meu
Tão do tempo em que não nos conhecíamos
Tão de um futuro próximo
Tão da paixão
Tão da minha mão na dele
Tão juntos

Tão ele em mim
Tão de mim nele
Tão ele e eu
Tão nós
Somente nós...

Tinho Valério

sexta-feira, 16 de março de 2012

Num instante

E no instante em que paro
Vão-se as ideias
Vontades
Pensamentos
Mas você fica
Como tatuagem
Negra
E indelével

Tinho Valério

quarta-feira, 14 de março de 2012

Marília

Oh! Tão linda Marília
Tu não pertences mais a Dirceu
És minha agora
És a mulher que o meu amor escolheu

Oh! Minha doce Marília
Que me levas de volta às luzes
Me tiras do moderno
Me fazes pensar em nós no campo

Oh! Minha encantadora Marília
Vives comigo na simplicidade?
Sejas minha no que é puro
Vivas o amor que quero dar-te

Oh! Marília minha
Te suplico de joelhos
Cuidas do meu amor
E se entregas a meu coração

Oh! Minha amada Marília
Beija-me a face
Não me fazes sofrer
Sejas minha para o todo e sempre.

Tinho Valério

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sinfonia de Lamentações


E até você me encontrar
Eu terei andado por lugares tristes
Terei fincado na pedra a espada da felicidade
E levarei comigo apenas uma adaga
 
A solidão será minha companheira de caminhada
Andarei de mãos dadas com a Morte
Por entre o deserto dos sonhos frustrantes
Sinfonias dolorosas tocarão sob minha mente
Com gritos de horrores sendo tenores viris

Até encontrar você não serei eu mesma
Estarei vestida para um confronto
Cheio de sangue e lamentações
Ou até mesmo batons venenosos ludibriando seus lábios
Para por fim sucumbi-lo até a Morte
A minha amiga de jornadas
E juntas cavaremos seu mausoléu
Com paredes cheias de sobras e lembranças do seu passado traiçoeiro

E ao fundo, bem de longe,
Ouve-se o Tango banhado por lágrimas
E sons saindo arranhados
Do violino do espectro
Que tocará para você por toda a eternidade...

Tinho Valério

*Imagem: Auto-retrato com a Morte a tocar violino de Arnold Böcklin

O Velório de Dona Mariquita de Carmen de Zé de João Rufino.

Era uma manhã de março quando correu pela pequena cidadezinha de Cuia das Onças, o boato da morte de uma de suas moradoras mais ilustres, a rezadeira Mariquita de Carmen de Zé de João Rufino. Uma onda de tristeza e luto invadiu a cidade e assim seguiu-se o dia. Ouvi boatos que a morte de nossa tão ilustríssima senhora havia se dado de uma raiva que tinha tido do seu filho Ozival. Deu-se que o primogênito de nossa personagem teria lhe roubado uma galinha do seu chiqueiro para tomar com pinga na casa da rapariga Deusdete Faísca, porém nada se confirmou. Embora, o fato do roubo da galinha seja verídico. Dona Mariquita na verdade havia morrido de um infarto, causado pelos seus excessos de descuidos com sua alimentação. Como a mesma falava “Meu fí, eu como de tudo, porque se eu num comer eu morro do mermo jeito”, e assim aconteceu. Morreu feliz, como também incrivelmente chateada ao dar a falta de uma galinha no seu galinheiro.
Na mesma tarde saiam pelas ruelas e becos da pequena cidade, mulheres a procura de rosas para enfeitar a defunta no caixão. Enquanto isso, na casa da finada, chegava às beatas da igreja para rezarem o terço. Ozival já se fazia presente na casa do prefeito pedindo ajuda para poder comprar o caixão. Apesar de ser uma velha rabugenta, de pouca simpatia e muito fofoqueira, Dona Mariquita era muito querida dentro da pequena cidade de Cuia das Onças. Era ela quem rezava contra mau olhado, preparava lambedores com plantas medicinais da caatinga para curar os doentes do sertão nordestino. Geralmente não levava desaforo pra casa. Era agressiva e não tolerava perguntas ou comentários desnecessários. Lembro-me de uma vez ter ido com uma sobrinha, que sentia-se mal e queria a reza de nossa rezadeira. Ao chegarmos lá, minha sobrinha dizia que estava dando nela umas coisas, Dona Mariquita não fez arrodeio, olhou-a nos olhos e disse “Pois receba, fia”. Na hora eu murchei de vergonha, mas minha sobrinha sem entender deu o desfrute de dizer que não eram coisas boas, mas coisas ruins e, mais uma vez nossa graciosa senhora retrucou com uma pequena frase “Pois devolva se num quer!”. Mas enfim, o fato foi que depois da reza, a minha sobrinha ficou ótima e não voltou a sentir mais nada.
Agora com tudo arranjado, daria início ao evento da cidade: O velório de Dona Mariquita de Carmen de Zé de João Rufino. Já era quase noite quando por fim, a defunta encontrava-se dentro do caixão, arrodeada de flores de todos os tipos, o que causava certo cheiro enigmático, característico mesmo velório. As velas já acesas queimavam enquanto todos os presentes rezavam mais um terço. Ozival chorava a morte de sua mãe, quando se súbito olhou para Ana de Seu Chico e perguntou se a mãe estava de calcinha. Houve um silêncio fúnebre na sala quebrado pela tosse de um senhor que chegava de mansinho à porta. A mulher, totalmente envergonhada com a pergunta do homem, apenas balançou a cabeça em sinal afirmativo. Voltando o olhar pra mãe, o primogênito dizia que o que a mãe mais temia era ser enterrada sem suas roupas íntimas. Mais uma vez, outro silêncio fúnebre.
O que ninguém sabia, era que a tudo isso, Dona Mariquita assistia de camarote. Seu espírito ainda continuava pela casa. Consciente de sua morte, a velha rabugenta só observava. Estava detestando ver o filho com aquela calça velha e surrada, rasgada até nos fundilhos. O que todos pensariam dela? Que não cuidava do filho, pensou a defunta ou espirito, como o leitor a queira chamar. Minutos depois chega sua comadre Francinete de Sotinha que ao entrar na casa, deu um grito seguido de um choro que assustou uma das beatas fazendo com que a mesma soltasse o terço dentro do caixão. “Minha irmã do coração, o que fizestes comigo? Porque partiste sem ao menos se despedir de mim?”, dizia aos prantos a comadre. Nesse momento, Dona Mariquita aproximou-se da mulher chorosa e soltou um desabafo “Sua imunda, você nunca quis saber de mim. Não é agora que vai querer saber. Passei um mês internada no hospital e você nunca apareceu lá pra me ver!”. E assim seguia o velório, as horas iam passando. Francinete chorando escandalosamente a morte de sua amada comadre e nossa defunta resmungando tudo o que as pessoas faziam.
Já começava a ficar tarde da noite e aos poucos os visitantes se dispersavam. E como em toda cidade pequena, nesses eventos velóricos sempre aparecia um bêbado. No de nossa personagem não podia ser diferente. Eis que chega o velho Pituca, tropeçando entre os pés, adentra no recinto do velório e logo começa a chorar a morte da ilustríssima Dona Mariquita de Carmen de Zé de João Rufino. Um minuto depois esquece a dor da perda, vira para o lado e pergunta a Ozival se lá não tinha nenhuma pinga pra ele tomar. O filho de nossa defunta agarra o bêbado pelo braço e o põe pra fora do local, embora isso não o tenha afugentado, pois Pituca deita num banco do lado de fora da casa e adormece.
O enterro havia sido marcado para as dez horas da manhã. Estava amanhecendo quando o velado corpo de Dona Mariquita recebia a visita de Josina de Ronaldo, uma mulher alta e magra, viciada em jogo de bicho. Ao vê-la entrando em sua casa, a defunta de súbito deu um pulo e começou a dizer desaforos a visitante – o que não cabe escrever aqui o quanto de palavrões saiu da boca de nossa amada senhora morta. Pularemos essa parte e esclarecerei que todo esse “siricutico” devia-se a uma galinha gogó de sola que a mulher havia comprado a Dona Mariquita e tinha enganado-a, indo embora sem pagar. Se existia uma coisa que nossa amada rezadeira não aceitava, era ser passada para trás e envelhacada. As ondas negativas vinda da raiva que a protagonista sentia era tão forte, que acabou trazendo um espirito ruim para o local, fazendo com que o mesmo tomasse posse do corpo de uma senhora presente no velório, causando o maior tumulto no local. O espírito causou tanto bafafá no velório que todos saíram para ver a mulher possuída comer terra do terreiro em frente à casa que deixaram o corpo de Dona Mariquita sozinho na sala. Quando conseguiram conter a mulher e exorcizar o espírito mau, já se ia perto das dez da manhã.
Seguiam em caminhada para a Igrejinha da cidade. Duas filas. Uma de mulher, outra de homem. Duas criancinhas levando uma grinalda de rosas. E o caixão levando o corpo gélido de Dona Mariquita para a missa de corpo presente. Nesse momento a cidade inteira para pra ver a passagem do velório. Lembro de ter ouvido uma mulher dizer que ela já ia tarde, a mais tempo que essa velha ruim já tivesse ido. Logo mais adiante outra emocionada dizia “Ah meu Deus, fazia uns lambedor muito bom!”. Terminada a missa, todos seguiam para o cemitério público da cidade. A cova já tinha sido feita desde o dia anterior quando se anunciou a morte de Dona Mariquita de Carmen de Zé de João Rufino. Na hora da verdadeira despedida, apenas duas pessoas manifestaram sua dor. A comadre Francinete de Sotinha que desmaiou fingidamente, só para ser agarrada pelo soldado Joarez que acompanhava o cortejo. Digo isso com seriedade porque bem vi quando ela era carregada pelo soldado e vi-a abrindo um olho para ter a certeza do que tinha feito. E a segunda pessoa a manifestar sua dor, foi o filho Ozival que se jogou em cima do caixão num choro desesperado pedindo para que a mãe não o deixasse. Amigos tentaram levantá-lo de cima do corpo frio e rígido de sua mãe. Quando finalmente iam conseguindo tirá-lo de perto da defunta, Ozival pisa numa pedra em falso e cai dentro da cova a qual seria enterrada o corpo de Dona Mariquita. Desesperado o homem começa a gritar e pedir para que o tirem de lá. Nessa hora Pituca, ainda bêbado joga um pequeno comentário que me fez rir: “Vije, e já desistiu de ir com a mãe?”. Ajudei a jogar a terra dentro da cova, depois colocamos a grinalda e seguiu-se novamente a vida tranquila na pacata cidade Cuia das Onças. O espírito de nossa personagem se dispersou pelo mundo. Apesar de que os moradores novos da casa da finada, dizem ouvir de vez em quando alguns ruídos que juram ser a curandeira que morou lá. Ozival casou com Deusdete Faísca que deixou de ser rapariga. Embora, há boatos que ela o trai com Mané Troxão, pelo nome do homem, dispensa alguma explicação e espero que o caro leitor consiga entender. E por fim, Francinete de Sotinha, agora era Fancinete de Joarez, meses após a morte de nossa amável rezadeira, a comadre apareceu grávida. E vive muito bem com seu soldado. A cidadezinha continua na mesma. Parada. Ainda comentaram por alguns meses a morte de nossa personagem, mas logo foi esquecida. Eles agora esperam por mais um evento, e dessa vez é a festa de Nossa Senhora da Anunciação que começa em março.

Tinho Valério

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Vou Adiante

Vou adiante
Existe uma voz que me chama
Em forma de canto

Vou abrir as asas
Talvez penas cairão
Mas meus pés machucados levitarão ao sopro do vento

E assim insisto
Vou adiante
Agora sei de lugares que não quero ficar
Já ouvi alardes que soam de lá
Sei das ciladas dentro de mim
Coisas que jamais ninguém entende

E vou adiante
O canto que me chama
São as vozes dos amantes
Dos que me levam daqui.

Tinho Valério