sábado, 16 de agosto de 2014

Desde ontem, eu me lembro.


Desde ontem meu coração bate acelerado, angustiado, sentindo-se solitário. Desde ontem meu corpo anda saudoso. Nostalgicamente aberto por lembranças boas de um sentimento tão simples, mas sem explicação.

Desde ontem olho meu telefone e procuro nos contatos o número desejado, embora já saiba de cor a combinação certa para ouvir a voz esperada pelos meus ouvidos. Desde ontem eu espero, talvez, uma ligação pelo mesmo motivo de me fazer procurar nos contatos o número desejado mesmo eu já sabendo de cor. Mas ontem, e hoje, esperei essa ligação. Ainda espero, na verdade. Nem que seja pra ouvir um, boa noite e um, estou com saudades.
Desde ontem meu coração se aperta e se contrai quando me vem à lembrança dele. Aquele sorriso na hora do jantar enquanto mastigava a comida, uma torrada com pão de forma integral – eu nunca disse, mas detestava pão integral – entretanto, o sorriso me fazia engolir maravilhado, sentindo-me feliz. E ontem ao lembrar isso, sorri enquanto minha alma chorava.
Desde ontem, e de anteontem, eu lembro como te olhava caminhar a minha frente, fazia de propósito só para ver seus pés para fora, e sua postura ereta, sempre de cabeça erguida. Eu nunca te disse, mas era lindo ver.
Desde ontem, e de ante anteontem, eu me lembro daquele risoto de camarão que você deixou no prato, dentro da geladeira, com uma plaquinha “Eu te amo” e foi o melhor risoto gelado do mundo. Eu nunca te disse, mas eu passei alguns minutos olhando pra ele todo agraciado e com pena de comê-lo.
Desde ontem, e de quarta-feira passada, eu me lembro do estouro do refrigerante na cozinha, e você caindo no chão um segundo depois do tiro. Nós rimos por horas. Eu nunca te disse, mas ali eu estava verdadeiramente feliz e pleno.
Desde ontem, e do dia da lua gigante, eu me lembro da gente na praia. Da nossa conclusão sobre o tronco de árvore, em brasas, que aparecia ao horizonte até revelar-se uma bela lua. Eu nunca te disse, mas aquela foi a lua mais linda que eu vi.
Desde ontem, e do primeiro dia do mês de agosto, eu me lembro de todas as vezes que o vi no palco. Desde a primeira, no dia do meu aniversário até a última no último final de semana de fevereiro. Eu nunca te disse, mas vê-lo no palco era sentir-me realizado e completo.
Desde ontem, e do mês passado, eu me lembro das vezes que vi você pintar seu rosto para entrar em cena. Dos traços, da textura, da cor vermelha. Eu nunca te disse, mas era lindo e eu sempre quis pintar meu rosto igual ao seu.
Desde ontem, e do mês de abril, eu me lembro das horas infinitas deitados na cama rindo das bobagens, das cócegas, dos trava-línguas e do quanto era bom ser bobo e leve. Eu nunca te disse, mas faço isso com meus alunos para poderem entrar na sala e eles nunca conseguem.
Desde ontem, e todo o tempo necessário que for, eu me lembro de você com sua camisa amarela e branca, gola v, com um tubarão e uma prancha de surfe desenhadas nas costas, o cabelo grande caindo sobre a testa, encostado no carro, numa esquina, com as mãos nos bolsos me esperando para o nosso primeiro encontro, primeiro olhar, primeiro beijo, primeiro sorriso, primeira certeza de sermos os certos um para o outro. Eu nunca te disse, mas naquele dia, enquanto caminhava até você tudo parecia lento. Meu coração estava mais acelerado que o de costume.
Desde ontem, desde hoje, desde agora escrevendo isso, eu me lembro de não querer lembrar nada. Eu me lembro de não querer olhá-lo. Eu me lembro do quão dolorido foi desprender de você e quão dolorida é a saudade. Eu me lembro até de como teria sido o tempo separado se nós estivéssemos juntos.
Desde ontem, hoje, amanhã, eu gostaria de lembrar sem essa dor que machuca, me entristece. É difícil caminhar só, sem ter a poesia de sua mão sobre a minha, mas como todo processo de amadurecimento requer a solidão, eu quero dizer e preciso dizer, comecei a engatinhar, ainda caio com o rosto no chão e sangra, porém logo o susto passa e volto a teimar, ou melhor, amadurecer.
Eu nunca te disse, mas todo o meu amor eu guardei para você.
Tibúrcio Valério

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Soneto II

Quem um dia me ver sentado à mesa
Solitário e de olhar triste
Saberá da dor de um amor que tive
Entrelaçado aos fios de uma saudade presa

Se me olhar mais a fundo
Entregar-te-ei a Minh ’alma
Que dança uma valsa triste e calma
Celebrando as dores do mundo

E, quem sabe um dia
A vida numa tarde de verão fria
Me trouxer a morte como visita

Contá-la-ei toda a história desse amor
E ao final, com meu coração em dor
Partirei deixando à mesa uma carta não lida.


Tibúrcio valério

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Amar é Um Inferno

Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem não ardeu em brasas coraçonificadas?
Esta chama  que queima e consome,
E acalenta alma tão insana.

Quem não morreu tantas vezes de amor?
E outras tantas ressurgiu como fênix,
Do pó de tais brasas num pulsante voo rasante
Tão cheio de cor

Só me lembra de uma noite reluzente
Eu caminhava... a Lua prateava minhas veredas
E os meus olhos que perdidos vagavam
Em seus olhos chamejantes os pus.
Que fizemos? - Nem eu sei
Mas naquela hora a amar comecei...

Tibúrcio Valério

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Ditatura da Sociedade



https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ3t_wwuSJACUrlUwEUwfmc5fPBcdt9T48vqe0jSACiDrx8HXLr26RFC12de9BK94p22bRASBqST2TDWl0AX6bH0ud9lb4fcqBI8jV-pcplP2aUKUmsMR0XgRDt98MAXFbF1WJJkSkPf4/s1600/mu1.JPG
A mulher vem sofrendo discriminação ao longo do tempo, independentemente da vestimenta. São abusos de diversas formas, sejam eles de ordem social, cultural ou sexual. Até que ponto o uso de uma roupa provocante ou um comportamento feminino que foge às regras sociais impostas pela sociedade pode justificar as agressões que as mulheres são vítimas tanto no âmbito familiar como social?
Numa pesquisa divulgada pelo Ipea, em março deste ano, pelo O Globo, brasileiros acham que mulheres com roupas curtas devem ser estupradas. É assustador num país como o nosso ainda existir um pensamento arcaico, mas infelizmente aprendemos julgar as aparências graças a essas regras sociais que nos torna seres ignorantes e, consequentemente, somos ensinados a não aceitar comportamentos que fujam a elas.
O comportamento feminino gera muitas discussões e polêmicas. Existe mesmo um manual que ensina como a mulher se comportar? Ao que parece, todos os anos de lutas em busca de direitos iguais foram em vão. Por que não, simplesmente, entender esse comportamento como liberdade de expressão? Entretanto, muitos entendem pelo lado pejorativo, e as veem como mulheres vulgares, daí os constantes assédios e maus tratos em público.
Sem sombra de dúvidas, o abuso sexual é o mais humilhante das agressões que elas sofrem, principalmente quando acontece em lugares públicos. Na cabeça retrógada masculina, a mulher que usa roupas curtas, é extrovertida e independente, torna-se alvo fácil daqueles que saem em busca de sexo e quando não conseguem usam da força. Note-se que os estupradores o fazem para satisfazer os vícios de uma cabeça doentia.
O Brasil tem muito para evoluir. Ainda vivemos numa sociedade machista e cheia de preconceitos a serem quebrados. Mas é preciso que deixemos de julgar com base nas regras que criamos e enxergamos como significado do certo. Qual conceito de certo para o outro? As mulheres tem um trajeto difícil e cheio de obstáculos para conquistar. Pelo menos já temos a Lei Maria da Penha a favor delas. Quem sabe outras Marias nos tragam mais conquistas.

sábado, 31 de maio de 2014

Bordadeiras da Serra



Trazem consigo
Cravadas no rosto
Marcas de um sertão sofrido
De muito desgosto.

As bordadeiras da serra
As artesãs de Bento
No cume da montanha
Bordam com fios, o tempo.

Mulheres de sorriso farto
Com almas de criança
Criam bonecas coloridas
Cheias de verde esperança.

Com cabaças matam a sede
Dos fuxicos fazem arte
E com retalhos repartidos
Remendam histórias a parte

Marias da serra dos Bentos
Trazem nos olhos
O paradoxo do sofrimento
Mas no sorriso um futuro talentoso
Das tantas Bilas de corações humildes
Que nos dão flores num gesto carinhoso.

Tibúrcio Valério

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Aquele que sempre sentara à primeira fila

E ele que sempre sentara à primeira fila da plateia no teatro, hoje permanece vazia. As cortinas foram fechadas e costuradas a fios de desilusão.O mundo não era mais um palco. Havia um moinho de sentimentos que triturava vorazmente todas as lembranças. Fez-se em pedaços o momento do primeiro olhar, moeu sem piedade todos os aplausos dados durante longos dias e transformou em ácido as lágrimas que corriam sobre seu rosto corroendo-o e deixando nele cicatrizes que o tempo jamais apagará.
E ele que sempre sentara à primeira fila da plateia do teatro e que hoje permanece vazia, sucumbiu de lembranças. O verde e todas as cores de sua alma foram reduzidos aos tons do cinza. Não havia mais cor. Até a lama pútrida que rastejara era cinza escuro. O palco tornou-se vazio. Não havia mais a voz que gostara de ouvir, nem mais suas canções preferidas e tão pouco aplausos. Restava apenas o ruído de uma respiração ofegante que ensaiava um choro. Engolia em seco.

Tibúrcio Valério

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Medo

E o medo que segue cortando os músculos do meu corpo
Me faz vomitar sangue
Endurece meus nervos a ponto de me paralisar
Não caminho
O choro me empurra de um precipício sem volta
Ao passo do erro constante
Eu mais caio
Mais desapareço na escuridão do infinito errôneo
Você me olha de cima
Agora já tão distante de mim
Apenas uma sombra diante da única luz que me resta
Os gritos são incessáveis
Mais do alto são apenas ruídos indecifráveis
E você segue
Sem mim
E eu permaneço no fundo do precipício
Que só afunda
Engole meus gritos

E me leva pro fim...

Tinho Valério