quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Receita

De tão simples, bobo e natural, provavelmente você nunca parou pra pensar: faça seu amor bonito! Ou fazer bonito o seu amor ou tornar bonito. Aprenda, simplesmente, a tão difícil arte de amar bonito porque de tão fácil que é gostar, ninguém quer aprender.
Vivi um e tenho visto muito amor por aí. Amores mesmo, daqueles gigantescos, ferozes, plenos, descomunais, profundos, sem reservas, cheios de entrega e graça. Mas tropeçam na dificuldade de se tornar bonito. Tão somente: bonito, embelezado e divino, tratado com atenção, zelo e carinho. Amores levados com arte e sensibilidade de um artista.
Então, esses amores que são verdadeiros, colossais, bravios, de repente se sentem ameaçados meramente por não saberem ser bonitos: exigem; postulam; rotinizam; descuidam; reclamam; param de compreender; carecem mais do que ofertam; precisam mais do que podem retribuir; enchem-se de razão. Ah! Essa razão! Tê-la é, talvez, o maior perigo no amor. Quem tem razão impreterivelmente se sente no direito – e o tem ou acha que o tem – de requerer, de exigir justiça, equidade, comparação, sem perceber que o que está sem razão esteja num momento da vida no qual não pode ter razão ou nem queira. Insisto: ter razão é perigoso! Geralmente, torna feio o amor porque é evocado com justiça na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão já dizia Arthur da Távola.
Conscientize-se. Você já refletiu se está fazendo seu amor bonito? Já tentou tirar do gesto, da atitude, de um olhar, da saudade, da alegria do reencontro ou da dor do desencontro a maior beleza existente? Provavelmente não, né? Cheio ou cheia de razões, você sempre espera do amor o que te convém, quando dele poderia pouco esperar, porque dessa forma valorizaria melhor tudo o que de bom ele pode trazer. Quem espera muito sofre e, sofrendo, deixa de amar bonito ou nunca chega nem a fazê-lo. O sofrimento nos tira a alegria e isso reflete no amor. Ele também deixa de ser alegre, igual, irmão e, principalmente, criança. E sem a alma infantil, puro como tal, nenhum amor é bonito.
Não receie o romantismo. Destrua as muralhas da opinião alheia. Faça coroas de rosas e enfeite a cabeça de quem você ama. Cante e seja alegre. Aconselha-se: encabulamento; ser pego escrevendo bilhetes de amor; não se cansar de olhar, e olhar, e olhar...; desuso das teorias, isso atrapalha a convivência; sempre que possível adiar com beijos aquela reclamação pela pouca atenção recebida. Pra quem ama toda a atenção será sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser a maior atenção do mundo. Quem ama bonito não perde tempo dessa pouca maior atenção do mundo cobrando da que deixou de ter. Não teorize sobre o amor, isso fica para os escritores românticos que veem poesia nos sonhos. Apenas ame. Siga o caminho dos sentimentos aqui e agora. Seja totalmente insensato.
Não se amedronte de tudo o que você teme, como os clichês, afinal todo amor bonito é exacerbadamente cheio deles. Então, não tenha medo da sinceridade; de não dar certo; de sofrer depois – sofrerá de toda forma; abrir o coração; contar a verdade do tamanho amor que sente. Use todas as possibilidades do jogo, artimanhas, golpes, perspicácias, atitudes eficazes (não é sábio ser sabido): seja então, você. Seja aquele no auge de suas emoções e carências, exatamente aquele que a vida impede de ser. Cante desafinado, mas todas as manhãs. Fale besteiras, mas criando sempre. Sinta o coração bater como no “com quem será” que a turma da escola sempre fazia no seu aniversário. Reviva os carinhos que aprendeu na infância. Não tenha medo de dizer eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.
Quem sabe assim, você consiga tornar seu amor bonito, ou fazer o seu amor bonito, ou bonitar fazendo seu amor, ou amar fazer o seu amor bonito – a ordem das palavras não afeta o produto. Sempre que ele seja a maior expressão de verdade de tudo o que você é e jamais deixou, parabéns porque você conseguiu, soube, pôde, foi possível.
Se o amor existe e está dentro de você, seu interior já é evidente. Não se preocupe mais com ele e suas definições. Cuide apenas da forma, da voz, da fala. Cuide do cuidado. Cuide de você. Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim você está apto para começar a tentar fazer o outro feliz.

Tibúrcio Valério

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Saudade Não é Ímpar

A saudade não dura para sempre.
Não deve permanecer sozinha e guardada em seu baú-coração. Não pode ficar sem ser correspondida anos a fio.
Após a tempestade, assim como a água presa, ela apodrece. Torna-se estragada. Imprópria para uso.
Quando passa de sua validade, o que antes era doce e ansioso se torna amargo e agressivo.
As lembranças se tornam arrependimentos da confiança cega que demos a alguém e esperamos incansavelmente pelo que nunca veio. Achamo-nos idiotas pelos anulamentos nossos.
Temos ódio do outro. Não desejamos sua volta, tão pouco queremos um encontros mesmo que seja por acaso.
Aquele carinho de outrora trocará de lugar com a raiva por não ser correspondido. Já não correspondemos à ternura em nossas palavras, elas estarão sempre em ponto de ataque.
Lamentavelmente, a saudade amarga.
Deixamos de clamar por uma presença que será sempre ausente. Toda a dedicação ao longo dos anos transforma-se num sentimento de tempo perdido porque não houve a reciprocidade.
As flores à mesa, as mensagens, os bilhetinhos, a fidelidade, as renúncias foram atitudes para enobrecer o fim, e descobrir que no fim você sempre esteve de mãos dadas com a saudade.
A saudade é como o positivo e o negativo só funcionam a dois. Caso contrário, torna-se solidão negativa.
É frustrante e dolorido um amor que não floresceu depois de tanto regá-lo.
É arrasador uma saudade que amofina pela indiferença do outro.
É triste promessa feita geradora de desilusões. A frase “Pra sempre” é desilusão gerada.
A saudade não é indelével. Finda quando percebemos que o amor era cheio de inverdades; era mentirosa à carência e morte o que deveria ser vida.
A saudade é desejo de um amor do passado. Deve ser sucumbida vorazmente, não mais que alguns meses. Do contrário, nos engole vivos e entrega-nos à morte.


Tibúrcio Valério

sábado, 15 de novembro de 2014

Com Apenas uma Frase

Devia ter por volta de seus noventa e poucos anos quando o encontrei pela primeira e única vez. Disse-me: “Fui muito amado durante minha vida.”. E falava com tamanha lucidez como quem dissesse: sempre me trouxeram chocolate e vinho, sempre vi o pôr do sol à beira mar todas as tardes enquanto caminhava até a Fortaleza dos Reis Magos.
Não havia soberba em sua frase, mas algo entre a humanidade e irreverência divina. Parecia um artista, que olhando seu desenho findado assina seu nome embaixo. Existia um enfado em suas palavras e gestos. Parecia se retirar de um banquete satisfeito. Estava pronto para morrer, já que sempre estivera pronto para amar.
Refleti por uns instantes e se fosse um rei mandaria fazer um busto de bronze com imagem sua. Porém, do jeito que falava, pedia apenas que em seu túmulo eu escrevesse; “Aqui jaz um homem que soube o que é ser amado e que também amou sem reservas.”. E aquele homem com seus noventa e tantos anos me confessou amar sem nenhum constrangimento. Não lhe mirei arma alguma cobrando dele algo porque ele que tinha algo a me oferecer. Foi muito diferente dos inconfessáveis de sentimentos, nem mesmo até debaixo de um “pau-de-arara”: permanecem intactos, mesmo se afogando de paixão, ardendo em amor, e não se entregam. E, no entanto, basta ler-lhe a ficha que está tudo lá: contrabandista ou guerreiro do amor.
Uns dizem: namorei muito. Outros acrescentam: casei várias vezes. E ainda tem os que se orgulham: fiz vários filhos. Teve até um cantor que disse: tive todas as mulheres que quis. Há, ainda, os que dizem: não posso viver sem fulana ou fulano. Citando indiretamente a Bíblia, diz que Abraão gerou Isac que gerou Jacó que gerou doze tribos de Israel. Mas quantos deles disse: “Fui muito amado durante minha vida.”? Certamente nenhum.
E do alto dos seus noventa e tantos anos aquele homem derramou sobre mim essa frase, me senti não apenas como um filho que quer ser como o pai quando crescer. Senti-me uma criança de seus cinco anos desejando ser um homem de seus noventa e tantos anos que diga: “Fui muito amado durante minha vida.”. Se não pensasse isto, não seria digno de receber aquela frase. E jamais poderia deixar passar essas sábias palavras que levaram noventa e tantos anos para se formarem. É como se eu visse diante de mim a lagarta transformando-se numa linda borboleta.
Ao ouvi-lo, por um momento, pensei em tudo o que Freud afirmara sobre que o desejo nunca é preenchido e que se o é, o é por frações de segundos – corrijam-me se eu estiver errado, por favor – e que a vida é insatisfação e busca incessante, tudo isso era coisa passada. E como diria Affonso Romano, “sobre o amor há muitas frases inquietas por aí.”. O próprio Bilac nos disse: “Eu tenho amado tanto e não conheço o amor.”. Até o Jabor afirmou: “O amor deixa muito a desejar.”. Quem nunca citou a frase “Eu era feliz e não sabia.”, mesmo sem saber seu autor, o saudoso Ataulfo Alves.
Aliás, tá aí uma frase que pode perfeitamente ser atualizada: eu era amado e não sabia. Sim, porque nem todos sabem reconhecer quando são amados. Versos e estrofes te aquecem do frio, flores te banham a alma, um banquete real esta sendo servido e, entediado, olha em outra direção.
Perdoe-me caros leitores por não lhes apresentar o personagem. Talvez me repreendam e é justa a represália. Mas sejamos sinceros, quando alguém está amando, já nos contamina com lírios silvestres do campo. Temos vontade de dizer, vendo-o passar: ame por mim. Exatamente quando se diz a alguém que está indo a uma festa e você diz: por favor, divirta-se por mim.
Ver uma pessoa amando é como ler um romance de amor ou como ver um filme também. A história pode ser do outro, mas passa pra gente.
Reconhece-se a vinte metros um desamado. Porém, reconhece-se a cem metros um bem-amado. Sua luz transcende. Sinos batem numa harmonia sequer pensada por Mozart ou Bethoveen. Os passarinhos pousam em sua cabeça e flores nascem no rastro deixado por ele.
Aquele que ama é um propagador.
Toca-lo é colher temperança.
O bem-amado, mais uma vez parafraseando Affonso Romano, dá a impressão de inesgotável. É uma usina de luz que de tão necessário à sociedade deveria ser declarado um bem de utilidade pública.
Tibúrcio Valério

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Platônico

De sonhar-te, minh'alma anda perdida
Cegos vivem meus olhos de te ver!
Iludo-me na esperança de te ter,
Pois que tu és minha paixão desmedida.

Não me via assim enlouquecido...
Passo as horas, meu Amor, a ler
As fotografias do teu apaixonante ser
Do mesmo álbum tantas vezes visto!

No mundo tudo é frágil e passa
Falam as vozes com toda a graça
Dum lábio divino sussurrando em mim

E, olhos em ti, de Florbela dou meus passos
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como Deus: Princípio e Fim."

Tibúrcio Valério

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Entre o Querer e o Ser

Eu queria ter uma sala cheia de almofadas para estar com meus amigos.
Eu queria ter uma vida menos ocupada.
Eu queria ter uma vida menos atrapalhada.
Eu queria ter uma casa no interior da floresta atlântica.
Eu queria acordar diante de uma cachoeira todos os dias.
Eu queria tomar banho nela a hora que quisesse.
Eu queria não mais procurar o amor.
Eu queria dormir de conchinha com alguém todos os dias.
Eu queria viver naquela música do Kid Abelha.
Eu queria morar numa cidade rodeada de montanhas verdes pintadas a mão por crianças.
Eu queria poder dizer que a felicidade me consome diariamente.
Eu queria poder dizer que sou feliz, apenas.
Eu queria dar aula num grupo escolar de um interior paupérrimo à crianças cheias de olhares inocentes.
Eu queria escrever uma história que tocasse no coração das pessoas.
Eu queria ter uma frase pronta que fizesse as pessoas desistirem das aparências e serem apenas elas mesmas
Eu queria poder convencer as pessoas que as pequenas coisas são as melhores.
Eu queria ser mais paciente.
Eu queria ser menos ciumento.
Eu queria ser mais extrovertido.
Eu queria ser menos o tipo de pessoas que se magoa e se consome.
Eu queria saber perdoar.
Eu queria ser tipo mais amigo.
Eu queria trocar tudo o que já vivi pelo olhar carinhoso de quem amo.
Eu queria que minha arte o conquistasse.
Eu queria que pessoas como Cazuza e Drummond tivessem tido o tanto do que escreveram, o amor.
Eu queria ter sido a Tarsila do Amaral, o Van Gogh, o Chaplin, o Tom e o Vinícius de Morais.
Eu queria estar escrevendo o que eu desejaria ter um dia.
Eu queria ter ido ao Sítio do Pica-Pau Amarelo
Eu queria ter conhecido a Tia Anastácia.
Eu queria ter ido a Tangamandápio com o Jaiminho.
Eu queria ter um relógio do tempo, para amenizar o sofrimento.
Eu queria ter a cabana do meu tempo de criança.
Eu queria ser um cara que soubesse conquistar.
Eu queria ter a certeza que meus conquistados são felizes.
Eu queria saber cantar.
Eu queria ser um viajante do mundo.
Eu queria acordar com um café da manhã na cama gigante.
Eu queria me lembrar para sempre daquele primeiro sorriso naquele dia.
Eu queria saber do meu futuro amanhã.
Eu queria ter ainda meu carro de bombeiro que meu pai me deu no dia das crianças.
Eu queria, inclusive, ver ele chegando e fingir que estava dormindo só pra sentir ele me beijar o rosto.
Que queria dizer que o amo.
Eu queria poder dizer mais coisas agradáveis.
Eu queria que no Natal todas as famílias pudessem comemorá-lo.
Eu queria um dia poder nadar com golfinhos.
Eu queria lutar e vencer o mal.
Eu queria saber o que é o mal.
Eu queria ser um cara cheio de ideias boas.
Eu queria ser um homem que deixou algo valioso para alguém.
Eu queria poder registrar o momento que a mãe ouve pela primeira vez o coração do seu filho, ainda no ventre, bater.
Eu queria poder mostrar a criança dividindo sua pouca comida com outras, todas famintas.
Eu queria ter o poder de fazer pesar a consciência dos engravatados quando sentam à mesa para comer um almoço mais caro que a maioria do salário de muitos brasileiros e ainda conseguem dormir tranquilamente.
Eu queria ser um cara sem hérnia de disco, sem dor nos rins, sem dores avassaladoras na alma.
Eu queria ser mais amor e menos dor.
Eu penso, às vezes, que queria ser só um pintor.
Eu penso, ainda, que queria ser só mais uma pessoa legal no mundo.
Eu penso que ainda queria ser a criança que vê as coisas do jeito dela.
Eu penso que ainda queria ser o primeiro na fila do teatro, sempre.
Eu penso que ainda queria ser aquele menino que brincava de bolinha de gude em frente a sua casa.
Eu penso que ainda queria ser o adolescente com vontade de mudar o mundo.
Eu penso que é melhor dormir.
Eu penso também que amanhã começo a procurar realizar pelo menos algo de tudo que escrevi, o que você acha?


Tibúrcio Valério

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Trova

Um dia a Lua me olhou
E sorriu
Eu escrevia canções de mal dizer
Mal dizia a mim
Fiz meu escárnio
Me satirizei,
Talvez, até satanizei
E a Lua ainda só(ria)
Eu não... eu chorava


Tibúrcio Valério

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Ama

Ama-me em devaneio, com insensatez.
Entrega-te sem receio, por completo,
de uma só vez.

Ama-me com desejo fugaz.
Rasgando-me a roupa, mordendo-me o pescoço,
insana, feito um animal foras.

Engole-me vivo cavalgando nos campos.
E das flores que traz consigo,
perfuma-me o pranto.

Ama-me nua, despudorada e por inteiro,
sem roupa,
desmetaforizada, feito prostituta do Rio do Janeiro.

Ama-me até quando não puder.
Com simplicidade e poesia,
sobre à mesa tomando um gole de café.

Mas se não puder me amar na velhice,
escreva-me versos de amor, sem dor,
dizendo-me do amor que tive.

Fala-me daquela puta insana
Que das noites escuras da Lapa surgiu

Olhou-me nos olhos e disse: Me ama!

Tibúrcio Valério

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Soneto III

Vagando entre as cinzas plumas da rua
Crio comigo laços de desassossego
Perdido no vazio do meu próprio medo
Grito desamores a Minh ‘alma nua

Perdido sem os braços do seu aconchego
Procurei entre tantas a pele sua
Como cão faminto por carne crua
Mas só encontrei indonzelas no gueto

Quão dolorido é viver da saudade densa
Dela, marcante no palco
Arte pura, com luz escarlate intensa

Das outrora felizes no teatro
Busco-a por vezes em outras cenas
E só enxergo minha sombra no asfalto

Tibúrcio Valério 

sábado, 16 de agosto de 2014

Desde ontem, eu me lembro.


Desde ontem meu coração bate acelerado, angustiado, sentindo-se solitário. Desde ontem meu corpo anda saudoso. Nostalgicamente aberto por lembranças boas de um sentimento tão simples, mas sem explicação.

Desde ontem olho meu telefone e procuro nos contatos o número desejado, embora já saiba de cor a combinação certa para ouvir a voz esperada pelos meus ouvidos. Desde ontem eu espero, talvez, uma ligação pelo mesmo motivo de me fazer procurar nos contatos o número desejado mesmo eu já sabendo de cor. Mas ontem, e hoje, esperei essa ligação. Ainda espero, na verdade. Nem que seja pra ouvir um, boa noite e um, estou com saudades.
Desde ontem meu coração se aperta e se contrai quando me vem à lembrança dele. Aquele sorriso na hora do jantar enquanto mastigava a comida, uma torrada com pão de forma integral – eu nunca disse, mas detestava pão integral – entretanto, o sorriso me fazia engolir maravilhado, sentindo-me feliz. E ontem ao lembrar isso, sorri enquanto minha alma chorava.
Desde ontem, e de anteontem, eu lembro como te olhava caminhar a minha frente, fazia de propósito só para ver seus pés para fora, e sua postura ereta, sempre de cabeça erguida. Eu nunca te disse, mas era lindo ver.
Desde ontem, e de ante anteontem, eu me lembro daquele risoto de camarão que você deixou no prato, dentro da geladeira, com uma plaquinha “Eu te amo” e foi o melhor risoto gelado do mundo. Eu nunca te disse, mas eu passei alguns minutos olhando pra ele todo agraciado e com pena de comê-lo.
Desde ontem, e de quarta-feira passada, eu me lembro do estouro do refrigerante na cozinha, e você caindo no chão um segundo depois do tiro. Nós rimos por horas. Eu nunca te disse, mas ali eu estava verdadeiramente feliz e pleno.
Desde ontem, e do dia da lua gigante, eu me lembro da gente na praia. Da nossa conclusão sobre o tronco de árvore, em brasas, que aparecia ao horizonte até revelar-se uma bela lua. Eu nunca te disse, mas aquela foi a lua mais linda que eu vi.
Desde ontem, e do primeiro dia do mês de agosto, eu me lembro de todas as vezes que o vi no palco. Desde a primeira, no dia do meu aniversário até a última no último final de semana de fevereiro. Eu nunca te disse, mas vê-lo no palco era sentir-me realizado e completo.
Desde ontem, e do mês passado, eu me lembro das vezes que vi você pintar seu rosto para entrar em cena. Dos traços, da textura, da cor vermelha. Eu nunca te disse, mas era lindo e eu sempre quis pintar meu rosto igual ao seu.
Desde ontem, e do mês de abril, eu me lembro das horas infinitas deitados na cama rindo das bobagens, das cócegas, dos trava-línguas e do quanto era bom ser bobo e leve. Eu nunca te disse, mas faço isso com meus alunos para poderem entrar na sala e eles nunca conseguem.
Desde ontem, e todo o tempo necessário que for, eu me lembro de você com sua camisa amarela e branca, gola v, com um tubarão e uma prancha de surfe desenhadas nas costas, o cabelo grande caindo sobre a testa, encostado no carro, numa esquina, com as mãos nos bolsos me esperando para o nosso primeiro encontro, primeiro olhar, primeiro beijo, primeiro sorriso, primeira certeza de sermos os certos um para o outro. Eu nunca te disse, mas naquele dia, enquanto caminhava até você tudo parecia lento. Meu coração estava mais acelerado que o de costume.
Desde ontem, desde hoje, desde agora escrevendo isso, eu me lembro de não querer lembrar nada. Eu me lembro de não querer olhá-lo. Eu me lembro do quão dolorido foi desprender de você e quão dolorida é a saudade. Eu me lembro até de como teria sido o tempo separado se nós estivéssemos juntos.
Desde ontem, hoje, amanhã, eu gostaria de lembrar sem essa dor que machuca, me entristece. É difícil caminhar só, sem ter a poesia de sua mão sobre a minha, mas como todo processo de amadurecimento requer a solidão, eu quero dizer e preciso dizer, comecei a engatinhar, ainda caio com o rosto no chão e sangra, porém logo o susto passa e volto a teimar, ou melhor, amadurecer.
Eu nunca te disse, mas todo o meu amor eu guardei para você.
Tibúrcio Valério

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Soneto II

Quem um dia me ver sentado à mesa
Solitário e de olhar triste
Saberá da dor de um amor que tive
Entrelaçado aos fios de uma saudade presa

Se me olhar mais a fundo
Entregar-te-ei a Minh ’alma
Que dança uma valsa triste e calma
Celebrando as dores do mundo

E, quem sabe um dia
A vida numa tarde de verão fria
Me trouxer a morte como visita

Contá-la-ei toda a história desse amor
E ao final, com meu coração em dor
Partirei deixando à mesa uma carta não lida.


Tibúrcio valério

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Amar é Um Inferno

Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem não ardeu em brasas coraçonificadas?
Esta chama  que queima e consome,
E acalenta alma tão insana.

Quem não morreu tantas vezes de amor?
E outras tantas ressurgiu como fênix,
Do pó de tais brasas num pulsante voo rasante
Tão cheio de cor

Só me lembra de uma noite reluzente
Eu caminhava... a Lua prateava minhas veredas
E os meus olhos que perdidos vagavam
Em seus olhos chamejantes os pus.
Que fizemos? - Nem eu sei
Mas naquela hora a amar comecei...

Tibúrcio Valério

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Ditatura da Sociedade



https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ3t_wwuSJACUrlUwEUwfmc5fPBcdt9T48vqe0jSACiDrx8HXLr26RFC12de9BK94p22bRASBqST2TDWl0AX6bH0ud9lb4fcqBI8jV-pcplP2aUKUmsMR0XgRDt98MAXFbF1WJJkSkPf4/s1600/mu1.JPG
A mulher vem sofrendo discriminação ao longo do tempo, independentemente da vestimenta. São abusos de diversas formas, sejam eles de ordem social, cultural ou sexual. Até que ponto o uso de uma roupa provocante ou um comportamento feminino que foge às regras sociais impostas pela sociedade pode justificar as agressões que as mulheres são vítimas tanto no âmbito familiar como social?
Numa pesquisa divulgada pelo Ipea, em março deste ano, pelo O Globo, brasileiros acham que mulheres com roupas curtas devem ser estupradas. É assustador num país como o nosso ainda existir um pensamento arcaico, mas infelizmente aprendemos julgar as aparências graças a essas regras sociais que nos torna seres ignorantes e, consequentemente, somos ensinados a não aceitar comportamentos que fujam a elas.
O comportamento feminino gera muitas discussões e polêmicas. Existe mesmo um manual que ensina como a mulher se comportar? Ao que parece, todos os anos de lutas em busca de direitos iguais foram em vão. Por que não, simplesmente, entender esse comportamento como liberdade de expressão? Entretanto, muitos entendem pelo lado pejorativo, e as veem como mulheres vulgares, daí os constantes assédios e maus tratos em público.
Sem sombra de dúvidas, o abuso sexual é o mais humilhante das agressões que elas sofrem, principalmente quando acontece em lugares públicos. Na cabeça retrógada masculina, a mulher que usa roupas curtas, é extrovertida e independente, torna-se alvo fácil daqueles que saem em busca de sexo e quando não conseguem usam da força. Note-se que os estupradores o fazem para satisfazer os vícios de uma cabeça doentia.
O Brasil tem muito para evoluir. Ainda vivemos numa sociedade machista e cheia de preconceitos a serem quebrados. Mas é preciso que deixemos de julgar com base nas regras que criamos e enxergamos como significado do certo. Qual conceito de certo para o outro? As mulheres tem um trajeto difícil e cheio de obstáculos para conquistar. Pelo menos já temos a Lei Maria da Penha a favor delas. Quem sabe outras Marias nos tragam mais conquistas.

sábado, 31 de maio de 2014

Bordadeiras da Serra



Trazem consigo
Cravadas no rosto
Marcas de um sertão sofrido
De muito desgosto.

As bordadeiras da serra
As artesãs de Bento
No cume da montanha
Bordam com fios, o tempo.

Mulheres de sorriso farto
Com almas de criança
Criam bonecas coloridas
Cheias de verde esperança.

Com cabaças matam a sede
Dos fuxicos fazem arte
E com retalhos repartidos
Remendam histórias a parte

Marias da serra dos Bentos
Trazem nos olhos
O paradoxo do sofrimento
Mas no sorriso um futuro talentoso
Das tantas Bilas de corações humildes
Que nos dão flores num gesto carinhoso.

Tibúrcio Valério

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Aquele que sempre sentara à primeira fila

E ele que sempre sentara à primeira fila da plateia no teatro, hoje permanece vazia. As cortinas foram fechadas e costuradas a fios de desilusão.O mundo não era mais um palco. Havia um moinho de sentimentos que triturava vorazmente todas as lembranças. Fez-se em pedaços o momento do primeiro olhar, moeu sem piedade todos os aplausos dados durante longos dias e transformou em ácido as lágrimas que corriam sobre seu rosto corroendo-o e deixando nele cicatrizes que o tempo jamais apagará.
E ele que sempre sentara à primeira fila da plateia do teatro e que hoje permanece vazia, sucumbiu de lembranças. O verde e todas as cores de sua alma foram reduzidos aos tons do cinza. Não havia mais cor. Até a lama pútrida que rastejara era cinza escuro. O palco tornou-se vazio. Não havia mais a voz que gostara de ouvir, nem mais suas canções preferidas e tão pouco aplausos. Restava apenas o ruído de uma respiração ofegante que ensaiava um choro. Engolia em seco.

Tibúrcio Valério