Desde ontem
meu coração bate acelerado, angustiado, sentindo-se solitário. Desde ontem meu
corpo anda saudoso. Nostalgicamente aberto por lembranças boas de um sentimento
tão simples, mas sem explicação.
Desde ontem
olho meu telefone e procuro nos contatos o número desejado, embora já saiba de
cor a combinação certa para ouvir a voz esperada pelos meus ouvidos. Desde ontem
eu espero, talvez, uma ligação pelo mesmo motivo de me fazer procurar nos
contatos o número desejado mesmo eu já sabendo de cor. Mas ontem, e hoje,
esperei essa ligação. Ainda espero, na verdade. Nem que seja pra ouvir um, boa
noite e um, estou com saudades.
Desde ontem
meu coração se aperta e se contrai quando me vem à lembrança dele. Aquele sorriso
na hora do jantar enquanto mastigava a comida, uma torrada com pão de forma
integral – eu nunca disse, mas detestava pão integral – entretanto, o sorriso
me fazia engolir maravilhado, sentindo-me feliz. E ontem ao lembrar isso, sorri
enquanto minha alma chorava.
Desde ontem,
e de anteontem, eu lembro como te olhava caminhar a minha frente, fazia de
propósito só para ver seus pés para fora, e sua postura ereta, sempre de cabeça
erguida. Eu nunca te disse, mas era lindo ver.
Desde ontem,
e de ante anteontem, eu me lembro daquele risoto de camarão que você deixou no
prato, dentro da geladeira, com uma plaquinha “Eu te amo” e foi o melhor risoto
gelado do mundo. Eu nunca te disse, mas eu passei alguns minutos olhando pra
ele todo agraciado e com pena de comê-lo.
Desde ontem,
e de quarta-feira passada, eu me lembro do estouro do refrigerante na cozinha,
e você caindo no chão um segundo depois do tiro. Nós rimos por horas. Eu nunca
te disse, mas ali eu estava verdadeiramente feliz e pleno.
Desde ontem,
e do dia da lua gigante, eu me lembro da gente na praia. Da nossa conclusão
sobre o tronco de árvore, em brasas, que aparecia ao horizonte até revelar-se
uma bela lua. Eu nunca te disse, mas aquela foi a lua mais linda que eu vi.
Desde ontem,
e do primeiro dia do mês de agosto, eu me lembro de todas as vezes que o vi no
palco. Desde a primeira, no dia do meu aniversário até a última no último final
de semana de fevereiro. Eu nunca te disse, mas vê-lo no palco era sentir-me
realizado e completo.
Desde ontem,
e do mês passado, eu me lembro das vezes que vi você pintar seu rosto para
entrar em cena. Dos traços, da textura, da cor vermelha. Eu nunca te disse, mas
era lindo e eu sempre quis pintar meu rosto igual ao seu.
Desde ontem,
e do mês de abril, eu me lembro das horas infinitas deitados na cama rindo das
bobagens, das cócegas, dos trava-línguas e do quanto era bom ser bobo e leve. Eu
nunca te disse, mas faço isso com meus alunos para poderem entrar na sala e
eles nunca conseguem.
Desde ontem,
e todo o tempo necessário que for, eu me lembro de você com sua camisa amarela
e branca, gola v, com um tubarão e uma prancha de surfe desenhadas nas costas,
o cabelo grande caindo sobre a testa, encostado no carro, numa esquina, com as mãos
nos bolsos me esperando para o nosso primeiro encontro, primeiro olhar,
primeiro beijo, primeiro sorriso, primeira certeza de sermos os certos um para
o outro. Eu nunca te disse, mas naquele dia, enquanto caminhava até você tudo
parecia lento. Meu coração estava mais acelerado que o de costume.
Desde ontem,
desde hoje, desde agora escrevendo isso, eu me lembro de não querer lembrar
nada. Eu me lembro de não querer olhá-lo. Eu me lembro do quão dolorido foi
desprender de você e quão dolorida é a saudade. Eu me lembro até de como teria
sido o tempo separado se nós estivéssemos juntos.
Desde ontem,
hoje, amanhã, eu gostaria de lembrar sem essa dor que machuca, me entristece. É
difícil caminhar só, sem ter a poesia de sua mão sobre a minha, mas como todo
processo de amadurecimento requer a solidão, eu quero dizer e preciso dizer,
comecei a engatinhar, ainda caio com o rosto no chão e sangra, porém logo o
susto passa e volto a teimar, ou melhor, amadurecer.
Eu nunca te
disse, mas todo o meu amor eu guardei para você.
Tibúrcio Valério
Amo esse texto: ele desnuda a alma, o coração, o bem querer. E quem já não viveu ou sentiu algo assim, atire a primeira pedra!
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