terça-feira, 25 de outubro de 2011

Trato


Eu apenas lembrava os meus irmãos com fome e da minha mãe jogada naquele corredor de hospital para que terminasse de ser consumida pelo câncer. Aos dezessete anos de idade tinha que me tornar a chefe da família mesmo mal sabendo assinar meu nome. Deite-se, ouvi-o dizer sem saber se era um convite ou uma ordem. Obedeci e deitei sobre o capô de um dos carros abandonados na velha oficina. Fechei os olhos com força ouvindo o tilintar da fivela do cinto e o zíper da calça se abrindo. Na pele, senti o toque de suas mãos suadas e sujas de graxa a levantarem o meu vestido e descerem a minha calcinha. Senti o peso do seu corpo e sua respiração ofegante sobre mim. Lembrei-me da minha mãe, meus irmãos e que os dez reais prometidos permitiriam comprar o arroz e o feijão. A investida sua introduzindo seu membro nojento em mim eu fechei os olhos mais uma vez e lembrei o dia em que meu pai nos deixou, o quanto a minha mãe sofreu. Sentada a porta que dava para a rua, as lágrimas parecia não cessar. Daquele dia em diante eu soube o significado da palavra fome. Mãe teve que trabalhar duro para sustentar os quatro filhos pequenos. Muitas foram às vezes em que almoçávamos pra não jantarmos a noite. A minha mãe sofria por dentro, mostrava-se forte, mas bem no íntimo do seu coração eu sabia que ela clamava por socorro. Nosso pai nunca nos deu notícias. Espero que tenha morrido da forma mais sofrida que um ser humano pode passar. Não tenho pena. Nem compaixão. Mais uma vez aquele homem sujo investiu sobre mim, e me veio à memoria o natal de 2000, que minha mãe trabalhou mais do que podia pra poder nos dar uma ceia decente. Naquela noite tivemos um frango à mesa para comermos dignamente, sem falar no refrigerante que ela havia ganhado do patrão. Foi uma noite inesquecível. De súbito voltei à realidade com aquele monstro me puxando, queria mudar a posição. Agora eu de costas pra ele não conseguia conter o choro. Já nem sentia mais dores, e mais uma vez ele em cima de mim como um cavalo acasalando com sua fêmea. Eu repudiava aquele homem. Eu sentia nojo de mim. Queria fugir. Mas meus irmãos precisavam comer e havia os dez reais prometidos. O arroz e o feijão estariam garantidos por pelo menos dois dias. Os urros dele me fazia voltar à realidade, me tirava dos meus pensamentos. Eu estava virando uma prostituta e isso corroía meus pensamentos, minha alma, meu coração, minha vida. Minha mãe sentiria ódio de mim. Eu aqui, em meio a destroços de lataria de carros velhos, enquanto um homem sujo possuía meu corpo em busca de um prazer que só ele sentiria, eu jamais viveria um orgasmo com aquele homem horrendo, e minha mãe num leito de um hospital, sendo sucumbida por aquela doença desgraçada. A revolta era uma constante em mim, já não bastava o que mãe sofreu pra nos criar, agora teria que sofrer com algo que ia te corroer até ela não aguentar mais? Finalmente, aquele desgraçado terminou o que veio fazer. Eu não via a hora de ele me entregar o meu dinheiro e eu desaparecer. Vestiu sua roupa suja. Nem sequer lavou-se. Jogou o dinheiro no chão e me chamou de puta. Recolhi o dinheiro rapidamente e sai atordoada e toda dolorida rua a fora. Cheguei em casa e fui para o quarto, fiquei por alguns minutos na cama me contorcendo por aquelas palavras jogadas a mim por aquele ser horrendo no ápice do seu desejo sexual. Tive ânsias de vômito cada vez que se lembrava do que ele gritava. Puta. Vadia. Geme pra mim. Deixa eu te comer, cachorra. Mexe gostoso pra mim. Eu não era puta. Eu precisei ser puta para meus irmãos não passarem mais fome. Eu fui vadia pelo arroz e feijão. Os meus irmãos nada souberam. A minha mãe não saberia. Ela apenas esperava a morte. Meus irmãos esperavam pela comida prometida. Eu esperava por um príncipe encantado. 


Tinho Valério 

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