Disse que trabalhava de sol a sol
para juntar o máximo de dinheiro possível e comprar um celular touch screen. O seu velho Nokia
Lanterninha já estava cansado dos anos de trabalho, embora funcionasse como um
novo. Não sabia nem pronunciar touch
screen, entretanto queria porque queria um “toti isquim”. Trabalhou toda a
sua vida como doméstica e todos os finais de semanas ia para o pagode
extravasar sua alegria de viver. Era muito conhecida na comunidade e adorada
por todos. Chegaram até a lhes oferecer um celular touch, mas paraguaio, o que foi motivo suficiente de bate boca. Era
pobre, porém só usava o que era bom. Apesar de muitas vezes ter usado coisa
falsificada que jurava de pé junto ser de marca. Pobre coitada enganada pelas
sacoleiras vizinhas!
Durante muito tempo deixou de ir
ao pagode no intuito de poupar seu dinheiro para no final do ano ir até às
Casas Bahia adquirir seu tão sonhado celular “toti isquim”. Queria o mais caro.
O mais moderno. O que tivesse mais funções, tipo aqueles que só não servem café
porque ainda não foram robotizados o suficiente. Ela achava chique chegar num
restaurante e tirar foto da comida para postar no Facebook e no Instagram,
coisas que, aliás, ela ainda não possuía.
Cortou de suas despesas tudo que
julgou fútil. Pagode; churrasquinho do seu Leôncio na esquina das Drogarias
Globo; idas à praia duas vezes por mês e, também, táxi para motel com Robiney.
Resolveu que juntaria cada centavo. Inclusive investiu em dindins para ajudar
nas despesas. Fez de todos os sabores, leite com toddy, bolacha, coco, coco
queimado, manga, maracujá com leite, goiaba, e o cargo chefe de sua empreitada,
o dindim de caipirinha, o mais procurado pela vizinhança. Nos finais de semana
não conseguia sequer assistir ao Esquenta com os vizinhos gritando seu nome
querendo seus dindins.
Os meses foram passando e num
estalar de dedos chegou Dezembro e com ele os piscas-piscas, árvores de Natal,
festões de todas as cores, papai Noel que dança, um outro que faz malabares,
entre tantos deles fazendo várias outras coisas que fujam do convencional com
suas renas e “ho-ho-ho”.
Era sete da manhã quando, bem
cedo, o relógio do seu “lanterninha” despertou pela última vez porque o próximo
despertador seria do novo celular. Às oito horas já estava no ponto esperando o
ônibus para ir ao centro comprar seu tão aguardado “toti isquim”. Esperou cerca
de quinze minutos que lhe pareceu uma eternidade. Estava se desconhecendo pois
nunca fora ansiosa. Por fim, às nove e meia descia no ponto que ficava em
frente às Casas Bahia. Estava eufórica, mas tentou disfarçar. Tropeçou na
entrada de tão nervosa. Por sorte ninguém viu. Apenas as câmeras de segurança.
Foi ao balcão e uma moça sorridente a atendeu. Queria o celular mais caro da
loja. A moça mostrou-lhe as opções, mas o que fosse mais caro era o perfeito
para ela. Um mil e trezentos reais foi o preço. Um ano de garantia. Tinha até
quarenta e duas horas para trocar o aparelho na loja caso desse algum problema.
Compra feita. Pagamento à vista. Dez por cento de desconto. Cliente satisfeita.
Chegara à casa realizada e tratou
logo de começar a usufruir de seu mais novo brinquedo. O lanterninha, coitado,
já havia esquecido na gaveta da cômoda. Aos poucos foi mexendo e aprendendo
tudo sobre seu novo celular touch. Tirou
várias selfies em frente ao espelho.
Fez biquinho para as fotos. Fez cara de modelo anoréxica com cada de nada. Fez
foto da metade do rosto. Fotografou-se com roupa de academia – ela nunca
malhou. Ensaiou como seria no restaurante fotografando a comida. Já tinha um
arsenal de fotos para postar no seu Instagram
e Facebook recém-criados.
Agora podia ir ao pagode se
mostrar para todos. Queria que vissem seu mais novo brinquedinho. Estava,
inclusive, se achando mais bonita. E assim o fez. Foi ao pagode. Fotografou a
cerveja gelada. Usou legenda na foto. Aprendeu até a usar hastag. Tirou mais fotos fazendo biquinho com as amigas. Começou a
seguir no Instagram o pagodeiro da
noite. Curtiu várias fotos e suas fotos também foram curtidas. Compartilhou
vídeos no Facebook. Sentia-se rainha
apenas pelo fato de ter um celular que somente patricinhas podiam possuir.
Mas na semana seguinte o celular
que tinha sido o mais caro da loja começou a apresentar defeitos. Como podia
acontecer tal barbaridade? Ele era novo! Apenas uma semana de uso. Estava
travando e muito lento. Uns disseram ser normal. Mas não era normal para um
celular com apenas uma semana de uso. Resolveu ir até a loja reclamar.
“Senhora, não nos responsabilizamos mais sobre seu produto, o prazo que lhe
demos já venceu. Aconselho-te a procurar uma loja autorizada para rever esse
problema, mas acredito que dirão o mesmo que nós lhe dissemos, ele deve estar
muito carregado com arquivos ou pode ser aplicativos pesados.” Saiu injuriada
das Casas Bahia. Ao relatar o ocorrido a sua patroa, fora aconselhada a ir à
loja com o código de defesa do consumidor mostrando a lei a seu favor. E assim
o fez. Chegou à loja com a lei grifada e exigiu a troca do produto. Não fora
atendida. Chamou o gerente, o mesmo a ignorou. Fez barraco na loja e fora
convidada a se retirar do estabelecimento pelo segurança. Recusou-se. Foi
expulsa. No meio da rua movimentada fez mais outro barraco que só serviu para
chamar a atenção. Lembrou-se de ir ao PROCON, mas antes precisava fotografar a
loja e postar no Facebook sua
indignação. Foi até o meio da rua para pegar o melhor ângulo da foto – agora
estava craque nesse negócio de ângulo – e antes de dar o clique alguém gritou a
palavra ônibus. Não teve tempo de olhar. Foi atingida pelo ônibus que fazia a
linha centro/zona norte. O celular foi arremessado muitos metros de distância e
levado por um moleque de rua. Ela não resistira.
Tibúrcio Valério
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