quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Saudade Não é Ímpar

A saudade não dura para sempre.
Não deve permanecer sozinha e guardada em seu baú-coração. Não pode ficar sem ser correspondida anos a fio.
Após a tempestade, assim como a água presa, ela apodrece. Torna-se estragada. Imprópria para uso.
Quando passa de sua validade, o que antes era doce e ansioso se torna amargo e agressivo.
As lembranças se tornam arrependimentos da confiança cega que demos a alguém e esperamos incansavelmente pelo que nunca veio. Achamo-nos idiotas pelos anulamentos nossos.
Temos ódio do outro. Não desejamos sua volta, tão pouco queremos um encontros mesmo que seja por acaso.
Aquele carinho de outrora trocará de lugar com a raiva por não ser correspondido. Já não correspondemos à ternura em nossas palavras, elas estarão sempre em ponto de ataque.
Lamentavelmente, a saudade amarga.
Deixamos de clamar por uma presença que será sempre ausente. Toda a dedicação ao longo dos anos transforma-se num sentimento de tempo perdido porque não houve a reciprocidade.
As flores à mesa, as mensagens, os bilhetinhos, a fidelidade, as renúncias foram atitudes para enobrecer o fim, e descobrir que no fim você sempre esteve de mãos dadas com a saudade.
A saudade é como o positivo e o negativo só funcionam a dois. Caso contrário, torna-se solidão negativa.
É frustrante e dolorido um amor que não floresceu depois de tanto regá-lo.
É arrasador uma saudade que amofina pela indiferença do outro.
É triste promessa feita geradora de desilusões. A frase “Pra sempre” é desilusão gerada.
A saudade não é indelével. Finda quando percebemos que o amor era cheio de inverdades; era mentirosa à carência e morte o que deveria ser vida.
A saudade é desejo de um amor do passado. Deve ser sucumbida vorazmente, não mais que alguns meses. Do contrário, nos engole vivos e entrega-nos à morte.


Tibúrcio Valério

sábado, 15 de novembro de 2014

Com Apenas uma Frase

Devia ter por volta de seus noventa e poucos anos quando o encontrei pela primeira e única vez. Disse-me: “Fui muito amado durante minha vida.”. E falava com tamanha lucidez como quem dissesse: sempre me trouxeram chocolate e vinho, sempre vi o pôr do sol à beira mar todas as tardes enquanto caminhava até a Fortaleza dos Reis Magos.
Não havia soberba em sua frase, mas algo entre a humanidade e irreverência divina. Parecia um artista, que olhando seu desenho findado assina seu nome embaixo. Existia um enfado em suas palavras e gestos. Parecia se retirar de um banquete satisfeito. Estava pronto para morrer, já que sempre estivera pronto para amar.
Refleti por uns instantes e se fosse um rei mandaria fazer um busto de bronze com imagem sua. Porém, do jeito que falava, pedia apenas que em seu túmulo eu escrevesse; “Aqui jaz um homem que soube o que é ser amado e que também amou sem reservas.”. E aquele homem com seus noventa e tantos anos me confessou amar sem nenhum constrangimento. Não lhe mirei arma alguma cobrando dele algo porque ele que tinha algo a me oferecer. Foi muito diferente dos inconfessáveis de sentimentos, nem mesmo até debaixo de um “pau-de-arara”: permanecem intactos, mesmo se afogando de paixão, ardendo em amor, e não se entregam. E, no entanto, basta ler-lhe a ficha que está tudo lá: contrabandista ou guerreiro do amor.
Uns dizem: namorei muito. Outros acrescentam: casei várias vezes. E ainda tem os que se orgulham: fiz vários filhos. Teve até um cantor que disse: tive todas as mulheres que quis. Há, ainda, os que dizem: não posso viver sem fulana ou fulano. Citando indiretamente a Bíblia, diz que Abraão gerou Isac que gerou Jacó que gerou doze tribos de Israel. Mas quantos deles disse: “Fui muito amado durante minha vida.”? Certamente nenhum.
E do alto dos seus noventa e tantos anos aquele homem derramou sobre mim essa frase, me senti não apenas como um filho que quer ser como o pai quando crescer. Senti-me uma criança de seus cinco anos desejando ser um homem de seus noventa e tantos anos que diga: “Fui muito amado durante minha vida.”. Se não pensasse isto, não seria digno de receber aquela frase. E jamais poderia deixar passar essas sábias palavras que levaram noventa e tantos anos para se formarem. É como se eu visse diante de mim a lagarta transformando-se numa linda borboleta.
Ao ouvi-lo, por um momento, pensei em tudo o que Freud afirmara sobre que o desejo nunca é preenchido e que se o é, o é por frações de segundos – corrijam-me se eu estiver errado, por favor – e que a vida é insatisfação e busca incessante, tudo isso era coisa passada. E como diria Affonso Romano, “sobre o amor há muitas frases inquietas por aí.”. O próprio Bilac nos disse: “Eu tenho amado tanto e não conheço o amor.”. Até o Jabor afirmou: “O amor deixa muito a desejar.”. Quem nunca citou a frase “Eu era feliz e não sabia.”, mesmo sem saber seu autor, o saudoso Ataulfo Alves.
Aliás, tá aí uma frase que pode perfeitamente ser atualizada: eu era amado e não sabia. Sim, porque nem todos sabem reconhecer quando são amados. Versos e estrofes te aquecem do frio, flores te banham a alma, um banquete real esta sendo servido e, entediado, olha em outra direção.
Perdoe-me caros leitores por não lhes apresentar o personagem. Talvez me repreendam e é justa a represália. Mas sejamos sinceros, quando alguém está amando, já nos contamina com lírios silvestres do campo. Temos vontade de dizer, vendo-o passar: ame por mim. Exatamente quando se diz a alguém que está indo a uma festa e você diz: por favor, divirta-se por mim.
Ver uma pessoa amando é como ler um romance de amor ou como ver um filme também. A história pode ser do outro, mas passa pra gente.
Reconhece-se a vinte metros um desamado. Porém, reconhece-se a cem metros um bem-amado. Sua luz transcende. Sinos batem numa harmonia sequer pensada por Mozart ou Bethoveen. Os passarinhos pousam em sua cabeça e flores nascem no rastro deixado por ele.
Aquele que ama é um propagador.
Toca-lo é colher temperança.
O bem-amado, mais uma vez parafraseando Affonso Romano, dá a impressão de inesgotável. É uma usina de luz que de tão necessário à sociedade deveria ser declarado um bem de utilidade pública.
Tibúrcio Valério

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Platônico

De sonhar-te, minh'alma anda perdida
Cegos vivem meus olhos de te ver!
Iludo-me na esperança de te ter,
Pois que tu és minha paixão desmedida.

Não me via assim enlouquecido...
Passo as horas, meu Amor, a ler
As fotografias do teu apaixonante ser
Do mesmo álbum tantas vezes visto!

No mundo tudo é frágil e passa
Falam as vozes com toda a graça
Dum lábio divino sussurrando em mim

E, olhos em ti, de Florbela dou meus passos
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como Deus: Princípio e Fim."

Tibúrcio Valério