segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Medo

E o medo que segue cortando os músculos do meu corpo
Me faz vomitar sangue
Endurece meus nervos a ponto de me paralisar
Não caminho
O choro me empurra de um precipício sem volta
Ao passo do erro constante
Eu mais caio
Mais desapareço na escuridão do infinito errôneo
Você me olha de cima
Agora já tão distante de mim
Apenas uma sombra diante da única luz que me resta
Os gritos são incessáveis
Mais do alto são apenas ruídos indecifráveis
E você segue
Sem mim
E eu permaneço no fundo do precipício
Que só afunda
Engole meus gritos

E me leva pro fim...

Tinho Valério

domingo, 29 de setembro de 2013

Uma lembrança

Nem sei do nome científico
Ou de nome popular
Quando me lembro de minha infância
Era com ele que adorava brincar

Já faz tanto tempo que brinquei
Que algumas lembranças nem sei mais lembrar
Talvez ficaram entre os becos e bueiros
Que Jardim teimou em sugar

Foi herança infantil de minha mãe
Que me mostrou como brincar
Tirava ele do portão lá de casa
E não queria mais largar

Eu falava norte, ele apontava
Se era sul, ele queria virar
Quando era leste-oeste
Ele fazia apenas girar

Saudades do meu adivinhão
Que de inocente brincava até matar
Proibi de nascer borboletas no Seridó
Só pra brincar com o casulo de adivinhar.


Tinho Valério

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Medo

O medo da perda me corrói as veias
Me pára o coração
O medo de você partir sufoca meu ar
Puxa-me pra trás
Joga-me num penhasco de alucinações
As visões e pensamentos quebram-me as pernas
Braços
Todo meu corpo
Dói
Eu choro
(Só) choro

Tinho Valério

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Final Feliz

Eu tenho é medo dela. Nunca foi flor que se cheire, sempre amarga, sabe? Contam as más línguas que ela já foi catimbozeira famosa, mas que hoje vive trancada naquela casa assombrada, fazendo alguns trabalhos para as pessoas que a incomodam. Nem o agente da dengue tem coragem de ir lá verificar se existe algum foco. Ele diz que lá só vai o vento porque é atrevido, já que até mosquito da dengue tem medo daquela velha. Uma vez a vi. Estava toda de preto, confesso que tive até medo, e quando ela me viu, então... Seus olhos queriam me fuzilar, eu senti isso e foi desde esse dia que minha vida começou a ficar estranha. Acho que ela fez um catimbó em mim. Primeiro, naquele mesmo dia eu após tê-la visto fui para casa desesperada com medo e antes de chegar em casa virei o pé e cai por cima de cocô de cachorro. Muitos disseram que era sinal de sorte. E desde quando cair em cima de merda e dias depois pegar um germe, é sorte? Passei dias internada no hospital tomando remédios. Após aquele incidente comecei a olhar mais por onde pisava. O medo de cair era enorme, tudo por que havia colocado na cabeça que minha queda e o germe deviam provir de alguma macumba daquela velha. Por mais que fosse cuidadosa não deu outra, quando ia saindo do hospital cai de peitos no chão, minha mãe que conversava comigo eufórica sobre seu novo namorado nem notou meu encontro com o piso. Só veio perceber quando a enfermeira gritou. Tive que voltar e fazer novos exames. Toda semana uma ou duas quedas, pelo menos. Fiquei conhecida na escola como a professora outono, de qualquer vento que dava eu caia. Procuro não dar muito atenção a esses comentários, se não ficaria infernal minha convivência lá. No mais até que tento levar tudo na tranquilidade. Semana passada sofri uma queda enorme na rampa do colégio. Acordei me sentindo linda e que essas coisas que vinham acontecendo era apenas coincidências e não macumbas, então coloquei minha sandálias Dijean do tempo de Aline Moraes e fui para a escola, mas na decida da rampa que dá acesso aos corredores das salas de aula virei o pé, caí com os vários livros que carregava e rolei até embaixo. Levei uma vaia da escola inteira. Fui socorrida pelo professor de educação física, mas só sofri alguns arranhões. Acho que com tantas quedas aprendi a como cair sem se machucar muito. A minha ultima queda foi ao sair do banheiro. Acho que as coisas conspiram contra mim. Meu chuveiro quebrou e precisei usar o banheiro social, como sempre fui muito esquecida, levei apenas a toalha para me secar, minha roupa deixei no quarto já que era de costume sair do meu banheiro e me vestir lá mesmo. Não lembrei que teria que passar de toalha pelo corredor com acesso a porta para a sala, ainda mais que poderia chegar visita. Para completar, meu tio avô acabara de chegar em minha casa depois de anos viajando. Tudo estava perfeitamente bem até precisar sair apenas enrolada numa toalha. Ao sair do banheiro dou de cara com uma barata, meu intuito é logo de gritar, mas não quis causar escândalo por causa do meu tio e por não querer encontra-lo vestida como estava. Tentei espantar aquele animal nojento para longe e como é de se esperar desses bichinhos, ela veio ao meu encontro. Desesperada pulei por cima dela e escorreguei no tapete, por incrível que pudesse parecer, consegui manter o equilíbrio. Olhei rapidamente para outro lado em direção a sala de estar na tentativa de constatar se alguém havia ouvido algum barulho, mas todos pareciam mais preocupados em saber quais as últimas cidades que o tio Norberto havia conhecido. Caminhava a passos lentos em direção ao quarto quando senti algo se aproximando de mim, fui me virando, tudo foi ficando lento e vi a cara da barata chegando e pousando no meu rosto. Meu grito foi ensurdecedor. Bati no aparador que havia no corredor e caí junta com os porta-retratos da família. A essas alturas todas da sala já estavam no corredor me vendo completamente nua. Minha sorte foi que a foto da vó Alice caiu por cima de minhas partes íntimas. Olhei para meu tio e ele estava paralisado olhando meus seios. Chateada com a situação, perguntei-lhe se nunca tinha visto “peitos”, e prontamente, o tio Norberto respondeu que com um bico em cima e outro bem embaixo, nunca. Fiquei vermelha de raiva e fui pro quarto. Tudo isso já estava me cansando, não aguentava mais quedas e quedas. Sabia que aquela velha rabugenta tinha algo a ver com isso. Resolvi que ia descobrir o porquê daquilo tudo. Minha mãe disse que era loucura de minha cabeça e que a senhorinha não tinha nada em relação aos acontecimentos, mas não adiantou, fui mesmo assim, ainda mancando da queda na cozinha. Não lembrava o quanto a casa era distante. Por fim cheguei lá, e tratei imediatamente de bater na porta. De dentro ouvir uma voz rouca perguntando quem batia. Ainda com raiva gritei que era a mulher a quem ela colocou algum trabalho para que vivesse caindo. Rapidamente a porta foi aberta e me apareceu uma mulher minúscula, aparentemente frágil, mas quando acusei-a de fazer macumba ela me cobriu no desaforo. Quando insisti e quis entrar, ela me enxotou à vassouradas. Nunca pensei que uma mulher tão velha pudesse correr e bater com tanta força. O engraçado é que durante a corrida não torpecei e nem sequer me arranhei. Nessa confusão toda acabei descobrindo que correndo eu não caio e faço tudo com mais rapidez. Agora sou conhecida na escola como ligeirinha. E quanto à senhora, prefiro deixa-la com seus feitiços. Vivo bem nessa correria. Estou até emagrecendo.

Tinho Valério 

terça-feira, 4 de junho de 2013

Melissa

Pela primeira vez experimentara o sabor de uma frustração amorosa. Pelo menos dizia ser. Há gente que diz ser loucura de sua cabeça, na verdade, todos diziam que era loucura. O fato é que agora, encontrava-se no viaduto em frente ao shopping, aos prantos, dizendo querer cometer suicídio. Tudo porque, segundo ele, fora abandonado por Melissa. Esse era o nome da infame. Mulher magra, bonita, alta. Bem verdade que sua pele era pálida, mas, todavia sempre estava bem vestida. Conheceram-se naquele mesmo shopping. “Me lembro como se fosse hoje... logo que a vi me encantei. Ela usava um vestido de renda que cobria seu corpo quase que por inteiro, embora deixasse sua silhueta bem desenhada. Como era linda ela.”, dizia o homem durante um acesso de choro.
Em pouco tempo os arredores do shopping parecia dias de protesto contra Micarla, milhares de pessoas esperando ele pular e outras tentando acalmá-lo, tudo numa tentativa falha, já que o barulho de tantas vozes deixava-o mais tenso.
“Foi naquele Natal que nos apaixonamos e começamos a nos encontrar toda semana aos domingos. A cada encontro ela estava mais linda”, seu choro era inconformado, parecia criança quando lhe roubam o doce. Em meio a toda essa confusão, foram acionados os bombeiros, polícia, médicos, inclusive sua mãe. Todos tinham a mesma intensão: fazer com que aquele homem desistisse do que pretendia. Dizia não aguentar viver sem ela, preferia morrer a permanecer sozinho no mundo sem a mulher da sua vida.
A mãe ficara atônita com a atitude do filho. Dizia não conhecer a “dita cuja”, apenas o que sabia era que o filho estava vivendo um relacionamento e pretendia apresenta-las uma a outra, porém esse dia nunca chegava.
“Estávamos felizes. Ela me amava, eu sei. Se vestia sempre impecável para me encontrar aos domingos, mas ontem quando trouxe flores senti que ela estava estranha. Nunca tínhamos discutido, nem nada! E quando chego na loja hoje ela tem desaparecido sem sequer ter me falado” contava o homem entre choros e soluços. Aquele comentário provocou um murmurinho entre os funcionários do shopping que estavam por perto. Quem seria a mulher que estava prestes a matar uma pessoa mesmo que indiretamente? Todos começavam a se questionar e em pouco tempo a história já havia se espalhado pelos corredores daquele lugar.
Não havia conversa que desse jeito ao homem desesperado, que agora estava praticamente pendurado nas grades da passarela. A única solução parecia ser descobrir quem era Melissa. Alguns bombeiros já haviam saído em busca dessa tal mulher entre lojas e corredores do shopping. Tudo em vão! Entraram em contato com a segurança daquele centro comercial no intuito de pesquisar imagens do homem e tentar descobrir sobre a mulher misteriosa, talvez, assim, a encontrariam e, quem sabe, Melissa poderia evitar um desastre de um amor mal resolvido. Mas as imagens era sempre as mesmas, o homem sempre perto da vitrine, admirando, outras vezes gesticulando, parecia conversar com o seu reflexo no vidro.
Caminhando certa vez pelo shopping, Cláudio depara-se com aquele manequim bem vestido, arrumado. Foi amor à primeira vista. Não sabia explicar, mas era mais forte que ele. Por horas ficava em frente à vitrine olhando apaixonadamente para aquele objeto em formato de um corpo feminino, até conversava com ela. Dizia ser correspondido, tanto que a moça havia falado seu nome, Melissa. Tinha quem dissesse achar que se tratava de um ladrão que todos os domingos ia estudar o movimento da loja. Mas a verdade é que era apenas um homem apaixonado, diferente, era verdade. Inusitado, talvez, mas a mais pura verdade.
Quando finalmente os bombeiros entenderam do que se tratava aquela loucura, tentaram argumentar com Cláudio sobre o que estava acontecendo, que aquilo era ilusão de sua cabeça, que Melissa, na verdade, se tratava de um manequim e que ele jamais poderia ter um envolvimento com ela. Mas, ele era irredutível, afirmava categoricamente que ela era uma mulher e eles tinham um relacionamento, ou pelo menos tiveram, e tinham planos de uma vida juntos. “Ela todos os domingos usava uma roupa nova pra a gente se ver”. Ele não sabia que todos os domingos antes do shopping abrir, o responsável pelo visual da loja trocava todas as roupas das manequins, por isso sua Melissa sempre estava bem vestida.
Por fim, trouxeram o manequim àquela confusão, mas parecia que o fato de ele agora já saber que Melissa era apenas um objeto decorativo o fez despertar algo dentro de si, mesmo que inconscientemente, e ao ver aquela boneca com todos os traços de sua amada, sentiu um repúdio e a negou. “Essa não é a minha princesa! Ela partiu porque nunca me quis de verdade e ela não é essa aí que vocês estão me mostrando” berrava aos prantos Cláudio. Depois de horas de conversa, pedidos, choros de sua mãe ele foi acalmando-se até deixar que os bombeiros se aproximassem dele e tirá-lo de lá. De encontro com os braços de sua mãe, o homem chorou por vários minutos como um bebê que sente fome. Sua fome era de amor. Voltou pra casa e tudo se acalmou, as pessoas se dispersaram e logo esqueceriam o acontecimento.

Cláudio nunca superou a perda da Melissa, mesmo que a manequim jamais tenha saído daquela vitrine a não ser para resgatá-lo da morte. E até hoje ele é visto pelo shopping ao redor da vitrine observando a boneca. Talvez pensasse que um dia sua Melissa voltasse, porém sabia, ou não queria saber que ela de fato nunca existiu como mulher para fazê-lo feliz.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Partiu III

Partiu assim,
Caminhou como nuvens
Sem pressa e dançando a dança do vento
Foi-se leve como aves que planam no céu
Quis correr o mundo
E foi suavemente
Subindo
Dançando
Saindo
Me dizendo adeus

Tinho Valério

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Dama da Noite



Dizia chamar-se Isabel, “nome de uma princesa aí, que coisou os escravo” falava ela toda cheia de orgulho. Chegava a ser engraçada a sua ignorância. Talvez toda ignorância no sentido puro, sem malícia, seja realmente, engraçada. Apesar do nome de princesa, estava mais para plebeia e nessa história nem caberia um príncipe encantado. Era por volta das três da madrugada quando aquela mulher chegou a minha mesa e perguntou-me se tinha cigarro. Nem esperou pela resposta e foi logo sentando. Aparentava estar embriagada. Vestia-se aos trapinhos. Até seu batom vermelho estava borrado. Agora já se chamava Paloma. Era puta. “Algum zomi estudado até me chamaro de Dama da Noite”. Pelo jeito não saberia nunca a quem tinha sido comparada. Resolvi querer saber um pouco mais a respeito da “Dama da Noite”, da Paloma, enfim seja lá qual fosse o nome. Perguntei-lhe o que fazia da vida. Disse-me que dependia da região. Fiquei sem entender. Foi quando tentou fazer uma piada dizendo que mulheres de algumas regiões a chamavam de puta, outras de rapariga, “tem inté uma históra de garota de pograma”. Nesse momento eu ri e ela não gostou, mas também não me pediu explicação sobre o riso ou sobre o que seria garota de programa, e nem me atrevi a fazê-la entender. Entre um gole e outro disse gostar do que fazia, mas fez um silêncio fúnebre por alguns instantes e logo afirmou tentar ser feliz daquele jeito. Trabalhava nas ruas fazia um tempo, porém não lembrava quanto. Pelas marcas no seu rosto era um tempo tão grande e intenso que ela preferiu esquecer. Quis saber como havia chegado àquela vida “Menino, e num foi Bento! Eu quando tinha quinze, tinha o fogo da burrêga... peguei e dei pro Bento e depois, meu fí, sabe o que ele feiz? Disse ao povo lá da rua e fiquei falada... quando meu pai sôbe...”, nesse momento seu olhar ficou vago e parecia que via, diante de si, a cena da surra que levou do pai e da humilhação de ser expulsa de casa. Todos da cidade rejeitaram-na. “Meu pai me chamô de rapariga!”, e eu, naquele momento, soube o quanto aquela frase doeu nela. Feriu sua alma. Porém, logo quis fingir não sofrer e disse virar mesmo, rapariga. “Apois pronto, virei puta. Foi até bom, pelo meno aprendi uma ruma de coisa. Nunca gostei de barrê a casa mêmo...”. Queria um cigarro e, também, saber sobre mim. Perguntou-me se eu era casado, se tinha filhos, se era solteiro... Por fim, me pediu dinheiro e seu eu quisesse até poderíamos fazer negocinho em seu quarto. “Faço de tudo se você quiser. Faço chupetinha, dô meu cu, todas as posição que você quiser, incrusive sou inté conhecida como a puta que criô o cramassuta. Sabe qual é, né?”. Ela só queria dinheiro, talvez para comer algo, beber ou até se drogar. Dei-lhe o dinheiro e se foi. Partiu cantando “O que é, o que é?” do Gonzaguinha. Aos poucos foi sumindo na escuridão dos becos, junta com o som de sua voz. Quando fui dar por mim, estava perdido em meus pensamentos. A dama da noite havia os roubado. Pedi minha conta e ao abrir a carteira descobri, também, que não só os meus pensamentos ela havia roubado, mas todo o dinheiro que tinha dentro. De uma coisa era verdade, a Isabel, Paloma, e tantas outras que ela poderia ser nada se comparava ao ser “Dama da Noite”, tão negra como a escuridão, silenciosa quando queria, assustadora e sempre dissimulada, sabia envolver os homens e tirar deles tudo até seus pensamentos.

Tinho Valério

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Saudades do meu Seridó


Saudades de ver a chuva molhando a terrinha do meu lindo Seridó, de ver gente correndo feliz, tomando banho de chuva, nas biqueiras... Saudades dos trovões imensos que fazia tremer o chão... Saudades de ver o cinza da mata branca (segundo os índios) virar verde do dia pra noite... Saudades de acordar com o dia chuvoso, ou com aquela garoa gostosa que te fazer ficar na cama enrolado com seu fundo de rede... Saudades de ver aves de arribação vindas de longe pra começar a construir seus ninhos... Saudades de ver os riachos nas estradas... De ver rios secos encherem-se de água... Saudades de ver lavouras de feijão, milho, batata... Saudades de comer umbu até os dentes ficarem sensíveis... Saudades do cheiro do meu Seridó depois do banho da chuva que me fez dormir a noite inteira o melhor sono do mundo!

Tinho Valério