Dizia
chamar-se Isabel, “nome de uma princesa
aí, que coisou os escravo” falava ela toda cheia de orgulho. Chegava a ser
engraçada a sua ignorância. Talvez toda ignorância no sentido puro, sem
malícia, seja realmente, engraçada. Apesar do nome de princesa, estava mais
para plebeia e nessa história nem caberia um príncipe encantado. Era por volta
das três da madrugada quando aquela mulher chegou a minha mesa e perguntou-me
se tinha cigarro. Nem esperou pela resposta e foi logo sentando. Aparentava
estar embriagada. Vestia-se aos trapinhos. Até seu batom vermelho estava
borrado. Agora já se chamava Paloma. Era puta. “Algum zomi estudado até me chamaro de Dama da Noite”. Pelo jeito
não saberia nunca a quem tinha sido comparada. Resolvi querer saber um pouco
mais a respeito da “Dama da Noite”, da Paloma, enfim seja lá qual fosse o nome.
Perguntei-lhe o que fazia da vida. Disse-me que dependia da região. Fiquei sem
entender. Foi quando tentou fazer uma piada dizendo que mulheres de algumas
regiões a chamavam de puta, outras de rapariga, “tem inté uma históra de garota de pograma”. Nesse momento eu ri e
ela não gostou, mas também não me pediu explicação sobre o riso ou sobre o que
seria garota de programa, e nem me atrevi a fazê-la entender. Entre um gole e outro
disse gostar do que fazia, mas fez um silêncio fúnebre por alguns instantes e
logo afirmou tentar ser feliz daquele jeito. Trabalhava nas ruas fazia um
tempo, porém não lembrava quanto. Pelas marcas no seu rosto era um tempo tão
grande e intenso que ela preferiu esquecer. Quis saber como havia chegado
àquela vida “Menino, e num foi Bento! Eu
quando tinha quinze, tinha o fogo da burrêga... peguei e dei pro Bento e
depois, meu fí, sabe o que ele feiz? Disse ao povo lá da rua e fiquei falada...
quando meu pai sôbe...”, nesse momento seu olhar ficou vago e parecia que via,
diante de si, a cena da surra que levou do pai e da humilhação de ser expulsa
de casa. Todos da cidade rejeitaram-na. “Meu
pai me chamô de rapariga!”, e eu, naquele momento, soube o quanto aquela
frase doeu nela. Feriu sua alma. Porém, logo quis fingir não sofrer e disse
virar mesmo, rapariga. “Apois pronto,
virei puta. Foi até bom, pelo meno aprendi uma ruma de coisa. Nunca gostei de
barrê a casa mêmo...”. Queria um cigarro e, também, saber sobre mim.
Perguntou-me se eu era casado, se tinha filhos, se era solteiro... Por fim, me
pediu dinheiro e seu eu quisesse até poderíamos fazer negocinho em seu quarto. “Faço de tudo se você quiser. Faço
chupetinha, dô meu cu, todas as posição que você quiser, incrusive sou inté
conhecida como a puta que criô o cramassuta. Sabe qual é, né?”. Ela só
queria dinheiro, talvez para comer algo, beber ou até se drogar. Dei-lhe o
dinheiro e se foi. Partiu cantando “O que é, o que é?” do Gonzaguinha. Aos
poucos foi sumindo na escuridão dos becos, junta com o som de sua voz. Quando
fui dar por mim, estava perdido em meus pensamentos. A dama da noite havia os
roubado. Pedi minha conta e ao abrir a carteira descobri, também, que não só os
meus pensamentos ela havia roubado, mas todo o dinheiro que tinha dentro. De
uma coisa era verdade, a Isabel, Paloma, e tantas outras que ela poderia ser
nada se comparava ao ser “Dama da Noite”, tão negra como a escuridão,
silenciosa quando queria, assustadora e sempre dissimulada, sabia
envolver os homens e tirar deles tudo até seus pensamentos.
Tinho Valério
É um clássico, uma obra prima.. me emocionou e tocou como aquela primeira vez que o li, recém saído de você. que maravilha. sou seu fã número 01, eternamente!
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