terça-feira, 12 de abril de 2011

A Quinta-Feira


Inspirado na tragédia de Realengo/RJ.

Era uma quinta-feira como outra qualquer e Maria, uma menina doce, ajeitava os cabelos em frente ao espelho de seu quarto. Sentia-se especialmente linda naquele dia. Perfumou-se com seu novo perfume que ganhara de presente de aniversário. Seu pai tinha economizado e presenteado a filha quando completara dez anos. Partiu para a escola. Não entendia o porquê, mas o dia parecia estranho e ela passou a perceber coisas que antes não notava durante o caminho que percorria até seu local de estudo. Observou o cachorrinho que se encontrava encostado à lata de lixo, seus olhos suplicavam por um carinho, então foi lá e afagou-lhe a cabeça. O rabinho balançara dando sinal de que estava feliz. Mais a frente viu Dona Rosa que sempre estava varrendo a frente de sua casa naquele horário. Deu bom dia, como de costume, mas sentiu uma vontade imensa de abraçá-la, embora não tenha feito. Encontrou com a Luíza, outra colega de turma da escola e foram conversando sobre as atividades e acontecimentos ocorridos na aula da quarta-feira. O Sr. Pedro era o porteiro da escola, e Maria pela primeira vez percebeu a tristeza que os olhos dele passavam, pensou consigo mesma que deveria ter perdido alguma coisa para está daquele jeito. Porém Maria jamais pensara que aquela tristeza que refletia no olhar do Sr. Pedro provinha da perda de sua filha quando tinha quatro anos de idade, a Renata, viera a falecer de uma meningite que contraíra e por falta de um bom atendimento médico acabara falecendo no corredor de um hospital e depois daquele incidente, o senhor de olhar triste nunca mais fora o mesmo. Enquanto Maria e sua amiga se dirigiam a sala de aula, em algum lugar perto dali havia um homem, de olhar frio, seus olhos eram castanho escuro, mas nessa quinta-feira estavam mais claros, apesar das veias vermelhas ao redor, já que havia passado a noite em claro pensando em coisas ruins. Deu-se início as atividades escolares quando a professora Raquel chegou à sala de aula. Maria achou que a professora estava radiante, seus olhos sempre esbanjando serenidade, nesse dia em especial usava um perfume de um aroma doce. O tempo ia passando e a aula seguia maravilhosa. O homem de olhar frio fechou seu caderno que tinha várias coisas escritas, deixou-o dentro do armário e saiu rua a fora. Caminhava a passos lentos, tranquilamente. Era intervalo na escola, Maria encontrava-se no pátio junto das amigas, enquanto olhava para o alto procurando de onde vinha o som do pássaro que cantarolava e se deparou com um ninho, provavelmente o animal que cantava era o dono daquele lugar tão pequeno, mas que era sua casinha, onde descansava todas as noites. Ao som do sinal, chegara ao fim o recreio, todos retornavam às suas salas. O homem chegara à escola, passou pelo Sr. Pedro sorrateiramente e entrou sem que fosse percebido. Retirou de dentro da mochila um objeto negro e de ferro, dele posteriormente saiu fogo. Seguiu pelo corredor, parou em frente à escada, olhou pra cima e começou a escalar. Maria sentia-se inquieta agora. Ouviu-se o som forte de bexigas estourando. Depois gritos. Agitação. Maria olhou a professora Raquel, e pela primeira vez viu que seus olhos não estavam mais serenos como sempre, desta vez estavam desesperados. Os gritos e as bexigas estourando não paravam. Algum colega correu e foi até a porta, ouviu-se um estouro perto e o garoto caiu no chão. Um balde de tinta vermelha devia ter caído e derramado. Mas quem estaria carregando esse balde? Os colegas de Maria começaram a chorar e gritar e recuaram para o canto da sala. Daí tudo foi ficando lento. O vento que entrava pela janela parecia vir levemente como uma brisa, e os papeis voavam pela sala devagar. Os gritos começaram a ficar longe. A pequena Maria não tinha forças para correr, nem sequer sair da cadeira em que estava sentada. Então, pela porta, um homem desconhecido foi surgindo. Pisou sobre a tinta vermelha, e o seu sapato saiu carimbando a sala. Naquele momento todo o barulho tinha se resumido a respirações ofegantes e por um momento Maria pensou ouvir o coração do homem bater. Todos estavam no canto da sala, menos a pequena menina doce. Ela encontrava-se entre os colegas e o homem, que agora, para ela, representava a maldade, foi erguendo lentamente o braço e em sua mão a pobre criança pode ver o objeto preto que liberava fogo ficar frente a frente com ela. Enquanto Maria encarava aqueles olhos castanhos cheio de veias vermelhas fixamente, ouviu pela última vez o estouro da bexiga. Tudo parou. Nem sequer o coração pulsou mais.

Tinho Valério

Obs.: Paulo Almeida me deu de presente a ideia para que eu transformasse em texto.

3 comentários:

  1. Eu fui lendo esse texto, e ele ficou tão próximo de mim, que no último estouro da bexiga, eu senti meu coração não pulsar por um minuto, assim como o de Maria.
    Você foi maravilhoso ! Esperei isso desde o momento da idéia.

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  2. Fantástico!
    Confesso que tateei um pouco antes de vir ler o texto sobre o massacre.
    Já fomos tão bombardeados de informação sobre o caso que nem queria mais ler nada a respeito.
    Mas seu texto brincou com a poesia e a inocência de uma garota para fazer o diferencial em tantas notícias sobre o caso.
    Gostei!
    Parabéns!!
    Abraço!

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  3. Obg aos meus dois leitores mais assíduos... sempre lendo e comentando o que escrevo! Muito obg de verdade...

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